4 - Pelo olhar da princesa

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Quando Claire se deu conta de que o garoto pelo qual estivera esperando estava a alguns passos de distância, vindo rápido até ela com seu coturno gigante e casaco longo demais, decidiu ficar de pé também. Queria vê-lo bem, tão bem quanto vira no sábado, tão claramente. Estava apavorada com a possibilidade de gostar de Bender. Morria de medo da intensidade com a qual ansiava por beijá-lo novamente. Talvez falando com ele e lembrando do quão imbecil ele podia ser, todas aquelas sensações fossem embora.

— E aí, ruiva - Ele cumprimentou com um aceno de cabeça e um daqueles olhares indecifráveis que a matavam de agonia. — Só queria dizer que esse brinco ficou bem melhor em mim do que em você. Não vai nem pensando em pedir de volta. - Avisou, levantando o queixo e olhando para o horizonte. Por um segundo, Claire não teve certeza do que aquilo significava, até que John lhe devolveu o meio-sorriso com um olhar irônico de bônus.

— Não vou. Acho que adiciona um toque especial ao seu estilo. - Ela disse, sorrindo.

— Lá vem o papo sobre moda... - Antecipou ele, dando mais alguns passos até ela e tirando o livro de suas mãos. Antes que ela pudesse protestar, ele disse: - Vamos ver com o que a princesa está gastando seu precioso tempo. - E jogou-se no gramado com o livro.

— É o trabalho de Literatura. Você também deveria fazer, aliás. - Ela alertou, tentando pegar o livro de volta e falhando lindamente.

— Literatura é superestimada. Eu prefiro viver a poesia na pele. - Respondeu em seu usual sarcasmo, provocando um rolar de olhos na garota. — Vejamos... "Até que uma estrela que guie o meu gesto, aponte-me graciosamente com a sua beleza, e vista o meu amor maltrapilho, para mostrar-me merecedor de teu doce respeito. Então, que eu ouse me gabar do amor que sinto; até lá, me guardarei para que não me desafies". - John Bender recitou, em mais uma provável tentativa de fazer graça com os estudos dela, mas daquela vez não funcionara assim. Para Claire, foi como subir aos céus e voltar em um só minuto ao ouvi-lo recitar aquelas palavras. Seu coração batia duas vezes mais rápido agora e ela nem havia notado quão próxima estava do rosto do rapaz até que ele a encarou.

— É o soneto 26, de Shakespeare. - Disse ela, limpando a garganta.

— Que melação, fala sério! - Exclamou ele, enojado.

— É uma obra linda! - Defendeu ela, rigorosamente, surpresa pela reação pobre. — Aposto que você nem entendeu e está criticando só pela diversão de ser do contra. - Ela o desafiou, indignada pela falta de senso poético do garoto.

— Ah, me perdoe por não apreciar na mesma intensidade que vós, senhorita, este pedaço de estrume que chama de arte. - Ele falou dramaticamente, subindo o tom gradativamente. — Eu não sou nenhum lesado, Standish. Entendi perfeitamente que é a história de mais um fracassado se arrastando pelos caprichos de alguma mimada, tentando ser bom o suficiente para a princesinha. Ah, me poupe. - Revirou os olhos, retribuindo a indignação. Que ela era uma princesa desmiolada ele já sabia, mas a esse ponto? Já era demais!

— Não sei por que eu esperei que fosse compreender a profundidade do amor shakespeariano. Logo um bruto como você! - Claire xingou, também aumentando seu tom de voz e, por mais que não estivessem notando, já havia alguns bons pares de olhos observando a cena que se desenrolava. Já era estranho ver aqueles dois juntos, imagine só os dois discutindo sobre poesia.

— Eu sou um bruto e você uma alienada, que combinação maravilhosa! - Declarou ele, batendo palmas. — Quer saber o que eu achei mais imbecil nesse poeminha? É que sempre tem um pobre coitado se sacrificando por uma filhinha de papai que não dá a mínima! Nunca é o contrário! - Ele exclamou, levantando-se do chão e gesticulando abrasivamente.

— Ah, é claro! Isso porque você acha que nós, mulheres, não somos capazes de grandes gestos! Que pensamento retrógrado, Bender! — Claire acusou, balançando a cabeça em reprovação e ficando de pé.

— E você acha que consegue me provar do contrário, princesa? - Indagou, cruzando os braços e arregalando os olhos. Agora já tinham uma multidão ao redor, assistindo e comentando a discussão.

— Tenho certeza que sim! - Ela afirmou, decidida, semicerrando os olhos.

— Então me beija! Aqui e agora, Standish. Prova que você consegue tomar uma atitude antes de alguém mais tomar. - Ele a desafiou e só então ela percebeu que a respiração do garoto estava muito agitada, e ele parecia estar tremendo um pouco. Tudo aquilo. Toda a discussão, o escândalo, tudo porque John Bender tinha medo demais de beijá-la e ser rejeitado ali, na frente de todo mundo.

Claire Standish não costumava ser impulsiva, assim como John Bender não costumava ser medroso, mas pelo visto os papéis podiam se inverter. Quando o assunto era eles dois juntos, não existiam regras fixas. Sendo assim, a garota nem pensou duas vezes quando se jogou contra o corpo do garoto e colou seus lábios aos dele agressivamente. Segurando-o pelo colarinho do sobretudo, podia sentir as ondas de calor passando de um corpo para o outro enquanto suas línguas finalmente falavam a mesma língua. As grandes mãos de Bender apertando sua cintura como se jamais fossem soltá-la. O sabor de cigarro com menta de pasta de dente, os suspiros profundos de John e a sensação nítida de que todo seu corpo estava amolecendo comprovaram algumas coisas: aquele era o melhor beijo de todos e o Soneto 26 era definitivamente seu favorito.

Quando o ar começou a se tornar escasso em seus pulmões, Claire deu um passo para trás, finalizando o beijo, apesar dos protestos de John.

— Provei meu ponto para você, Bender? - Ela perguntou, sorrindo.

— Sem dúvidas. Retiro minhas queixas. - Respondeu, com um riso nasalado, puxando-a para perto novamente. — Mas acho que sua reputação foi para o lixo, princesa. - Comentou em um sussurro, enquanto posicionava uma mecha ruiva atrás da orelha dela.

— Tudo bem. Eles não poderiam nos ignorar nem se tentassem. - Ela disse, piscando um olho para ele. No sábado, fora Bender quem dissera a ela que não poderia ignorá-lo nem se tentasse, e a frase se provara verdadeira. Porém, se havia uma verdade ainda mais absoluta era que seriam o maior assunto da escola dali para frente. Claire ainda não estava certa quanto a seus sentimentos sobre ser mal-falada por aí, andando com o criminoso da escola, mas, pela primeira vez na vida, decidiu apenas não se importar. Viver e saborear um momento de felicidade pura sem se medir a partir da visão alheia. Ela gostava de John Bender e por ora apenas isso bastava.

O que vem depois? - O Clube dos CincoOnde histórias criam vida. Descubra agora