8 - Pelo olhar do caso perdido

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Allison não esperava nada diferente do habitual quando adentrou o corredor principal da escola de Shermer. Ninguém nunca olhava para ela ou se importava em desviar. Ninguém lembrava de sua existência ou a ajudava a juntar os livros caídos ao chão quando esbarravam na garota. Por conta deste histórico, Allison não esperava que fosse atrair dezenas de olhares curiosos enquanto caminhava até seu armário. Ainda que seus trejeitos fossem os mesmos de sempre, com os ombros contraídos e a cabeça baixa, sua aparência contrastava de maneira contrária. O suéter preto preso pela calça jeans bem acinturada e as botas pretas de salto baixo denotavam curvas em seu corpo que ninguém sabia que estavam lá. Os cabelos escuros penteados para trás chamavam toda a atenção para o rosto bem acentuado que sempre possuíra.

"Quem é essa?" foi o comentário que ela mais ouviu enquanto fingia não ouvir nada, com os olhos fixos em seu armário. Seus batimentos estavam acelerados agora. Nunca recebera tamanha atenção e nem sabia se queria receber. A única pessoa pela qual queria ser admirada novamente era Andrew Clark. Respirou fundo algumas vezes, pegou seus livros, seu caderno de desenho e fechou o armário, dando de cara com suas preces atendidas: Andrew.

O garoto tinha um semblante preocupado, olhos avermelhados e respiração descompassada. Será que estivera chorando? Allison não teve tempo de perguntar.

— Oi, Alli! - Saudou, com um sorriso envergonhado. — Você com algum tempo sobrando? - Indagou, coçando a nuca, visivelmente nervoso.

— Oi, Andy - Ela cumprimentou de volta, sentindo suas bochechas queimarem. — sim. - Assentiu, ansiosa.

— Podemos ir conversar em um lugar mais tranquilo? - Ele sugeriu. Os olhares que antes pousavam somente sobre a linda menina misteriosa, agora somavam o dobro pois um dos caras mais populares da escola estava bem ali, falando com ela.

Ela assentiu e o seguiu até o campo de futebol. No caminho, pôde jurar que ouviu as vozes de Claire e John discutindo sobre alguma coisa no pátio, embora não pudesse afirmar sobre o quê.

No ponto mais afastado das multidões, Andrew parou e, após um longo suspiro, a olhou de cima a baixo. Ela não pôde evitar a mesma ação. Aquele era o tipo de menino pelo qual Allison jamais imaginou se apaixonar. Era tão perfeito, tão bonito quanto um príncipe, com seus olhos azuis potencializados pelo azul do casaco que usava; os cabelos loiros perfeitamente penteados; o corpo escultural que exibia seus traços até por cima de várias camadas de roupa. Ela jamais se permitiria sequer pensar nele em circunstâncias normais. Porém, aquela detenção havia criado tudo menos normalidade. Allison havia até mesmo beijado o lutador da escola, e a sensação daquele beijo não poderia ser apagada facilmente.

— Eu trouxe o seu casaco para te devolver. - Ela mentiu, imaginando que o olhar fixo dele tinha a ver com isso.

— Não, você pode ficar com ele. Fica... ótimo em você. - Ele disse, carregando aquele olhar de admiração que Allison tanto queria receber. — E não vou mais precisar dele, de qualquer forma. Vou sair do time. - Ele admitiu, pressionando os lábios em sinal de certa vergonha.

— Por quê? - Perguntou, pendendo levemente a cabeça para um lado, confusa.

— Bem, você é uma das únicas pessoas que conhece meus motivos para estar nisso. E hoje eu disse a verdade pro papai. Disse que detesto toda essa merda. - Olhou para o horizonte por um momento. — Provavelmente serei despejado de casa, mas acho que foi por uma boa causa. - Sorriu sarcasticamente.

— Eu sinto muito, mas também fico feliz por você. - Ela sorriu empaticamente. — E se precisar de um lugar para ficar, meus pais têm uma casa vazia há alguns quarteirões. Eu tenho as chaves. - Revelou, preocupada.

— Isso é mais uma das suas histórias malucas ou é verdade? - Perguntou, rindo e arqueando a sobrancelha.

— É verdade. - Riu também. — Sem mais histórias daqui para frente. - Decretou e estendeu o dedo mindinho para ele, em sinal de promessa. O garoto fez o mesmo.

— Você parece diferente. De novo. - Andrew observou, passando os olhos por cada detalhe da garota novamente.

— Diferente como? - Ela perguntou, receosa. Será que estava ainda mais esquisita? Antes era o tipo de esquisita que se ignora, mas e se agora fosse o tipo de esquisita que não tem como ignorar?

— Um diferente bom. - Assentiu com um sorriso e ela retribuiu aliviada. Andrew Clark realmente estava dizendo que gostava da aparência dela. Que belo dia para se estar viva. Allison estava tão eufórica, com suas bochechas rosadas e tudo, que não conseguia dizer nada. Então o garoto quebrou o silêncio constrangedor. — Enfim, eu estava pensando se você não gostaria de fazer algo comigo no sábado... - Disse e coçou a nuca novamente. Era seu tique quando ficava inseguro.

— Eu adoraria. - Ela se adiantou, e se sentiu instantaneamente idiota por fazê-lo. — O que vamos fazer? - Perguntou, de maneira tímida.

— Bem, vai rolar uma festa dos caras do time e, mesmo que eu esteja saindo, eles ainda são meus amigos e gostaria que você os conhecesse. - Ele explicou, animado. Ainda que Allison se sentisse lisonjeada por isso, um alerta vermelho acendeu em sua mente. Ela não costumava ir a festas. Na verdade, dizer que "não costumava ir" era um eufemismo. Ela nunca havia comparecido a algo assim. Além disso, por mais que estivesse aos pés de Clark, não queria ser jogada assim no meio dos caras do time. Aqueles que não a ignoravam por completo durante as aulas, aproveitavam para ofendê-la de várias maneiras, e agora tinham simplesmente esquecido de quem ela era só porque usava roupas diferentes. Eram babacas fúteis e Andrew sabia disso. Allison só queria conhecê-lo melhor sem precisar ser jogada aos tubarões para isso.

— Andy, eu quero mais do que qualquer coisa fazer algo com você no sábado, mas acho que preferiria que fôssemos só nós dois para começar... - Allison confessou, abaixando o tom gradativamente, se sentindo exposta demais ao ser tão sincera. — Eu nunca fui a festas assim.

— Ah, entendo... Mas poderíamos ir, ficar só o suficiente para conhecê-los e depois ir embora. Pegar um cineminha, caminhar pela cidade - Ele sugeriu com expectativa.

— Não acho uma boa ideia, Andy. - Ela negou com a cabeça, ficando cada vez mais ansiosa com a ideia. — Me desculpe.

— Poderíamos ao menos tentar, Alli... Somos pessoas diferentes agora, podemos tentar coisas novas. - Ele disse, se aproximando.

— Concordo, mas acho que isso não se aplica a me reunir com pessoas que até hoje só foram maldosas comigo. - Ela desabafou, olhando-o de soslaio. — Você mudou, não eles. - Ela apontou, tomando coragem para olhá-lo nos olhos.

— Isso não vai mais acontecer, Allison. - Ele garantiu, parecendo um tanto abalado pelo comentário dela. — Você é outra pessoa agora. Olha só para você. Eles não teriam do que rir. - Ele disse, confiante, sem imaginar o tipo de besteria que havia dito. A verdade era que Allison ainda era a mesma garota insegura, tímida e cheia de sonhos e medos que sempre fora. A única coisa que havia mudado era sua aparência.

— Eu só mudei minhas roupas, Andrew, não sou outra pessoa. - Allison começou a sentir seus olhos queimando. — É por isso que me beijou? Por isso que pensou que gostasse de mim? Porque achou que eu era outra pessoa agora, não aquela fracassada de quem você e seus amigos riam? - Neste ponto, as lágrimas já corriam livremente pelo rosto da garota.

— Não foi o que quis dizer, Alli, eu só pensei... quero dizer, eu esperava que você... - Andrew tropeçava em suas palavras desesperadamente.

— Eu nunca vou ser o que você espera que eu seja, Andrew! - Ela gritou em prantos. Não se lembrava de ouvir sua voz alta daquele jeito em muito tempo e parecia estranho. — Eu continuo sendo um maldito caso perdido, a mesma maluca que você conheceu no sábado! - Sua voz embargada falhava pela dor que aquelas palavras carregavam. — Se a única coisa que você gostou em mim foi a possibilidade de que eu pudesse parecer mais bonita, então nem deveríamos estar conversando agora. - Ela abaixou a cabeça, atirou o casaco azul de Andrew no chão e deu as costas.

Que péssimo, horroroso, maldito dia para se estar viva.

O que vem depois? - O Clube dos CincoOnde histórias criam vida. Descubra agora