9 - Pelo olhar do cérebro

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Quando Brian Johnson abriu os olhos na manhã daquela segunda-feira, o primeiro pensamento que lhe ocorreu foi o relatório completo das respostas que Claire, Andrew, Allison e John lhe deram quando ele questionou o que aconteceria quando se vissem na escola. Não era como se o garoto não tivesse amigos; ele tinha e dos bons. Inteligentes, engraçados, tão socialmente deslocados quanto ele, mas boas pessoas. Porém, havia algo naquelas quatro pessoas tão esquisitas e ao mesmo tempo tão familiares que lhe fazia querer mais de suas companhias. Sentia que poderiam ser brilhantes todos juntos, ainda que Claire fosse uma grande mimada egocêntrica que realmente via Brian e seus amigos como palhaços que se espelhavam nela. Fala sério, se ela soubesse os apelidos que eles tinham para o grupinho patético dos populares, ficaria de boca aberta. E aí tinha John Bender, com aquele olhar sinistro e sempre violando uns quinze direitos humanos a cada comentário. Mas se o assunto fosse "sinistro", Allison venceria em primeiro lugar, sem dúvidas, com suas mentiras grotescas e bolsa cheia de cacarecos. Por fim, havia Andrew, com seu crime contra um dos amigos de Brian, Larry. Ainda era difícil de perdoar uma história daquelas, mas Johnson sempre sentia compaixão quando lembrava da culpa que Andrew carregava.

Enfim, apesar de seus diversos defeitos, condutas suspeitas e erros, Brian sentia que eram boas pessoas, pois todos estavam tão quebrados quanto ele, e sabia que ele mesmo era bom, só não sabia por onde começar. Queria ter uma resposta para a aflição de cada um de seus amigos e para as suas próprias, ainda que por ora, tudo que pudesse fazer fosse levantar, descer e tomar seu café da manhã.

— Bom dia, fracassado. - Mary, sua irmã de apenas seis anos, o saudou gentilmente enquanto segurava um urso de pelúcia.

Brian se perguntava se a irmã aprendia aquele tipo de vocabulário nos filmes violentos da televisão ou se era por ouvir constantemente os pais se referirem a ele daquela maneira. Quer dizer, para ser justo, não era como se eles o chamassem de fracassado o tempo todo ou o menosprezassem como os pais de John Bender provavelmente faziam com ele. Não, era mais um tipo de ameaça silenciosa.

Se você não se esforçar para tirar boas notas, será um fracassado.

Se não continuar dando sempre seu melhor, o único caminho é o fracasso.

Se suas notas caírem, faltará apenas um passo para a derradeira completa.

Brian, sua única chance na vida é seu intelecto. Aproveite. Você não pode falhar.

Enquanto servia sua xícara de café, ele imaginava que o sabor da bebida seria triplamente amargo porque ele já carregava o gosto da culpa em sua saliva. Não era justo pensar daquela forma sobre os pais que o apoiavam e incentivavam a ser sua melhor versão. Os pais que se sacrificavam para que ele tivesse todas as oportunidades certas. Para que ele fosse bom, verdadeiramente bom, no que escolhesse fazer. Tudo bem que não era mentira dizer que seu pai esperava um diploma em Contabilidade para que seguisse a mesma carreira de seu genitor. E também era verdade que nenhum deles dois jamais sentara-se com verdadeira indulgência ao lado do filho para saber o que se passava em seu coração. Se ele tinha amigos, se estava tudo indo bem na escola, não apenas em suas notas, mas em sua vida social. Se ele gostava mais de sopa ou de cozido, se ele queria mesmo estudar Contabilidade quando terminasse o ensino médio, ou ainda melhor, do que ele gostava. E talvez, mas só talvez, fosse por conta de todos esses fatores que agora sua irmã caçula repetia aquele tipo de discurso. Até ela conseguia ver que Brian não passava de um fracassado sem voz.

Olhando por aquela perspectiva, ele não era assim tão diferente de Andrew.

Assim que se sentou para comer seu sanduíche de geleia e pasta de amendoim, ouviu a voz severa da mãe chamando sua atenção.

— Bom dia, Brian. Espero que esteja ciente do quanto deve se esforçar para manter sua média satisfatória apesar do B que tirou.

Nenhum "Você dormiu bem, Brian?", ou "Seu café está forte demais? Ou fraco demais?". Nada sobre ele. Ele não era importante o suficiente. Quem sabe não fosse interessante o suficiente para receber aquele tipo de pergunta. Era provável que o único retorno positivo que Brian podia oferecer em troca de toda a dedicação parental dada a ele era o financeiro, caso seguisse em busca do sucesso como os pais queriam.

Mas que porras era sucesso, de qualquer forma? Brian se questionava enquanto sentia sua garganta fechar pelo excesso de sentimentos com o qual vinha lidando nas últimas semanas. Era como se uma represa estivesse prestes a se romper.

— Não me diga, mãe. - As palavras lhe saíram sem querer, e ele mesmo se assustou ao perceber que havia exposto em voz alta o que pensava.

— O que disse? - Sua mãe tinha as mãos posicionadas na cintura, em sinal de incredulidade.

Ele não conseguia mais segurar. A água estava estourando as paredes daquela represa e ele não tinha como evitar.

— Eu disse "não me diga, mãe". - Seus batimentos alcançaram seu pico. Brian Johnson não confrontava as pessoas. Mas não podia voltar atrás agora.

— Você está me desafiando? - A mulher perguntou, meio retoricamente, pois ela sabia que a resposta era sim. — É isso que você é agora? Alguém que tira notas medianas, leva uma arma para a escola, pega detenção e desafia a própria mãe?

Não era a melhor das descrições para se ter estampada na testa ou escrita no livro do ano. Certamente era bem o oposto de tudo pelo que Brian vinha batalhando durante toda sua vida. Entretanto, ainda que não admitisse em voz alta, ele gostava mais daquele cara, aquele Brian que estava aprendendo a se impor e pensar por si mesmo. Ele se recordava de dizer aos colegas da detenção que não gostava do que via quando olhava para si mesmo, e aquela era uma das piores sensações a se ter; não se sentir em casa na própria pele. Então, se viver bem consigo mesmo significava ir no sentido contrário de tudo que vinha fazendo e aceitava como o correto, ele aceitava pagar o preço.

— Eu posso ser mais, mãe. Posso ser bem mais do que você imagina. - Brian disse e sentiu uma parcela do sabor amargo da culpa indo embora com as palavras.

Sua vida podia não ser tão ruim quanto a de outras pessoas, mas ele tinha suas razões para odiar seu inferno pessoal e tinha suas razões para reclamar, apesar do que John Bender insinuava. Sua família não era perfeita, sua vida não era perfeita. Ele não era perfeito. E dali para frente pretendia ser cada vez menos.  

O que vem depois? - O Clube dos CincoOnde histórias criam vida. Descubra agora