XII. escuridão

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bem-vindo ao quarto do pânico
onde todos os seus medos mais sombrios vão
vir até você

panic room ─ au/ra

TW! esse capítulo e o próximo podem conter gatilhos para pessoas mais sensíveis, leiam sabendo disso. boa leitura

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Saio em passos apressados da biblioteca, felizmente Wandinha não me acompanha, mas tenho a sensação de que há algo atrás de mim. Olho em para trás dezenas de vezes, não há ninguém. A ponta de meus dedos ainda está preta, não sei como fazer com que voltem ao normal. Não estou raciocinando direito depois do que aconteceu.

Meu poder com o fogo nunca saiu do controle, não daquele jeito. Aquilo sequer era fogo, mais parecia com algum tipo de magia obscura. Eu vi as sombras que se formavam em minha volta, vi a fera que estava em meu ombro, mas não podia reagir como se aquilo não fosse algo habitual, não na frente de todos eles.

Respiro fundo tentando não perder o jogo para a minha mente. As vozes entram em ação, são muitas e não consigo entender uma palavra sequer do que dizem.

Caio no chão atordoada, minha vista está ficando escura, turva. Levo as mãos até a cabeça, implorando que os pensamentos se calem. Afundo a cabeça nos joelhos, o mundo parece girar por alguns instantes.

── Por favor… ── Digo baixinho, as lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas.

── Pandora! ── É Wandinha, sua voz está distante. ── Pandora, o que tá acontecendo? Pandora, você está me ouvindo?

Quero dizer que sim, mas a voz fica presa em minha garganta. Olho pra ela, seus olhos estão marejados. Eu quero dizer que está tudo bem, mas não consigo. Há algo atrás dela, uma sombra que tenta colocar suas longas garras em minha prima.

── Fique longe dela! ── Finalmente consigo dizer algo.

O sentimento de raiva e medo tomam conta de mim novamente. Me ponho de joelhos com o restante das forças que ainda tenho, erguendo uma mão contra a criatura. Palavras saem de minha boca num ato automático, as sombras voltam para meus dedos e o ser monstruoso vem até mim. Ele invade meu corpo, se instalando em cada parte de mim.

Caio novamente, mas dessa vez Wandinha me segura, afastando alguns fios do meu rosto. Eu sorrio tranquilizando-a, mas minhas pálpebras pesam. Quero chorar. É como se não estivesse controlando meu próprio corpo. A escuridão está me consumindo, me torturando lentamente.

── Prima, por favor! Eu tô aqui, ok? Vai ficar tudo bem. Você só precisa ficar acordada. ── Ela repete várias vezes.

Sinto como se houvesse uma droga dissipando em mim. Não consigo pensar com clareza, enxergar, ouvir ou falar. Nada. Nenhuma reação. O mundo vai se esvaindo aos poucos.

Wandinha parece gritar, consigo ver sua expressão assustada. As pessoas que estavam na biblioteca vêm até nós, posso notar o desespero em seus rostos.

Agora, é Xavier quem está ao meu lado. Ele fala algo mas não consigo entender. Tudo que ouço é um chiado irritante, como se meus neurônios estivessem morrendo, um por um. Ambos se olham sem saber o que fazer.

── Façam parar, por favor… ── É tudo que consigo dizer antes de apagar.

•ִ  🔭 ˳ ׄ   ⟡ 

Não sei se é isso que chamam de intermédio entre a vida e a morte, mas não é como eu imaginava. Há várias portas, mas não ouso tocar ou abrir nenhuma delas, não sei o que me espera do outro lado e pra ser sincera também não quero descobrir.

Não ouço mais as vozes, mas também não sinto nenhum resquício de poder dentro de mim. Só consigo sentir a presença daquela sombra, é atordoante ter seu corpo sendo habitado por uma substância diferente.

Vou andando com calma para não esbarrar em nada, mas há uma porta que me chama a atenção. Uma portinha pequena, muito menor do que eu. Perto dela um vidrinho dizendo "drink me!", pelas circunstâncias não falta muito para o meu fim, por que não arriscar? Tomo o líquido.

Encolho em questão de segundos e abro a porta. É uma memória de quando eu ainda era uma criança. Sei disso porque estou olhando para a pequena Pandora. Duas pessoas totalmente diferentes. Queria poder preservá-la do que o futuro lhe reserva.

Ela me encara sorridente, papai e mamãe estão logo atrás conversando sobre algo e rindo. É um piquenique. Por que não me lembro disto?

Sua pequena mão encontra a minha, ela me puxa até nossos pais. A expressão deles é indiferente, sabem porque estou ali. Isso é uma memória falsa. Foi apenas uma isca para que eu os encontrasse.

── Sente-se, querida. ── Minha mãe diz, sua voz ainda suave como bem me lembrava. Faço o que ela pede. ── Você cresceu tanto…nos desculpe por não estar lá com você.

Sinto meu estômago se revirar, o gosto da bile subindo até minha garganta. Forço um sorriso, ainda confusa com tudo aquilo.

── Acho que você merece uma explicação, mas antes, está machucada? ── É a vez do meu pai falar, ele tenta tocar a minha mão mas retiro-a antes.

Não posso lhe dar esse direito. Não quando ele passou 13 anos fugindo da minha existência. Se ele quer meu perdão, terá de lutar por ele.

── Não. ── Minto, olhando ao redor na tentativa de encontrar alguma saída.

── Pode ser sincera, estamos aqui para lhe ajudar. ── Minha mãe fala e eu desvio o olhar. Sei que estou dificultando as coisas, mas não consigo evitar não agir dessa maneira.

── Hm. ── Começo, pensando um pouco ── tinha uma sombra, não sei bem. Mas eu lutei com ela e meu corpo acabou absorvendo-a.

── Você deve ter algum tipo de imã para elas, mas acredito que não lhe faça mal. Logo mais elas se transformaram em poder, mas seu corpo pode rejeitar a presença nos primeiros dias. ── Meu pai fala e eu assinto interessada.

Eles se levantam logo em seguida e me chamam com a cabeça, hesito, mas vou depois. Vamos até um rio, minha mãe toca a água e imagens embaraçosas surgem. Ela para no momento em que a mostra sendo queimada, o mesmo sonho que tenho há anos.

── Você sabe o que é isso, não? ── Ela questiona e eu assinto ── As regras entre céu, terra e inferno ainda são muito rígidas, como deve imaginar. Seu pai, como um demônio ─ o rei deles ─, não poderia se casar com uma humana. Caso acontecesse, ambos seríamos punidos.

Ela para por um instante e papai toca seu ombro, certo de que é sua vez de falar.

── Sua mãe prestou sacrifício por mim naquela noite, tendo que enfrentar o seu maior medo. Ficar longe de você…Ser queimada ou julgada por pessoas que a perseguiam era o de menos, por mais que doa, há coisas piores. ── Lúcifer diz me olhando, mantenho o olhar fixo no seu. Intrigada com a confissão ── Comigo não foi diferente, eles sabiam o quão importante vocês duas eram e são para mim.

Ele respira fundo antes de prosseguir, tomando fôlego para o quem vem a seguir.

── Por muito tempo fiquei preso ao inferno novamente, sem uma perspectiva do futuro. Sem saber como minha esposa estava. Como minha filha estava vivendo. Nada. Era angustiante viver sem ter vocês por perto. ── Ele alterna o olhar entre nós, mas para em mim. ── Eu sei que esse tempo todo você pensou que eu havia te abandonado, mas toda essa situação estava muito além de mim. Sei que saiu machucada e não peço que me aceite por agora, mas se eu não fizesse isso, talvez eles fossem atrás de você. Sua segurança estava e estará acima da minha. Sempre.

Estou chorando novamente. De raiva. Tristeza. Alegria. Não sei mais. É um misto de sensações que me invadem e de repente não estou mais no comando das minhas lágrimas. Meus pais me abraçam. Aceito o conforto de seus braços.

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𝐅𝐀𝐋𝐋𝐄𝐍 𝐀𝐍𝐆𝐄𝐋𝐒, xavier thorpe.Onde histórias criam vida. Descubra agora