2 - O enigma

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Acordei em cima de feno que pinicava todo o meu corpo. Tentei me voltar mas quase gritei com a dor do ato. Não acredito que isso está acontecendo de novo. Levei as minhas mãos ao rosto encontrando o meu niqab ainda preso embora um pouco frouxo. Olhei ao redor vendo que estava num cela com cheiro insuportável e vi Feyre do meu lado me olhando entre os seus olhos roxos e inchados. Não dissemos nada uma à outra porém um barulho da cela tomou a nossa atenção.

- Hey.- reconheci a sua voz.

- Lucien?- perguntei rouca. Ele apareceu e ajoelhou à nossa frente fazendo o feno estalar.

- Pelo caldeirão, vocês estão bem?- novamente a minha mente dissociou enquanto Lucien e Feyre discutiam.

Eu escalava uma montanha. Olhei para baixo. Da altura que me encontro nem dava para ver o chão. Se aquelas criaturas aladas tivessem falado a verdade eu só precisaria chegar ao topo. Só mais um pouco e completaria aquele desafio mas estava tão cansada. O vento soprava, as minhas mãos ardiam e o meu corpo gritava de exaustão. A espada que trazia comigo tinha um brilho especial, como se me incentivasse a continuar. E por ódio continuei.

Voltei para a realidade sentindo a dor dos meus machucados amenizar um pouco. Lucien estava usando a sua magia para me curar.

- Infelizmente não posso curar mais ou irão suspeitar.- ele falou.

- Obrigada por concertar o meu nariz.- Feyre desdenhou.

- Está empinadinho como sempre.- ele levantou e saiu.

Cai no sono e só acordei para comer as refeições horríveis que nos traziam.

Após algumas horas, dias ou seja lá quanto tempo se passou dois guardas arrastaram-nos até ao salão onde fomos espancadas. Todos ali estavam limpos e devidamente apresentáveis. Fui atirada ao chão na frente do palco dos grãos-senhores. Os meus joelhos receberam o impacto da pedra abaixo me causando dor.

- Vocês parecem um pouco abatidas.- Amarantha riu se virando para Tamlin.- Não acha querido?- ele não respondeu.- Tive problemas para dormir e depois percebi o por quê. Não sei os seus nomes. Se vamos ser amigas durante os próximos três meses deveria pelo menos saber os seus nomes.

- Se serve de consolo, até poucos dias atrás você era chamada de praga.- disparei ouvindo a multidão arquejar com a minha insolência.

- Você é divertida, mas cuidado com a língua menina. Clare perdeu a dela.- ela sorriu olhando para Tamlin.- Poxa Tam, nem para me apresentar direito. Estou decepcionada com você.- brincou.- Então?

Tanto eu como Feyre ficámos caladas. Nem uma respiração errada. Se ela sequer sonhasse que tínhamos família nas terras mortais...

- Vamos lá queridinhas, vocês já sabem o meu nome, nada mais justo do que sabermos os seus. Afinal de contas, precisamos fazer as sepulturas.- o salão riu mas nós continuamos inertes.

À nossa direita Attor surgiu sorrindo divertido.

- Rhysand- ela chamou e aquele nome me chamou à atenção.

No Calanmai e numa visita dele à primaveril, Feyre o conheceu e disse que ele era brutal. Rhysand, o grão senhor da corte noturna, aliado dessa vaca e como Lucien dizia, a vadia da Amarantha.

Ouvi passos casuais que só pararam do meu lado. Observei a sua fisionomia enquanto ele fazia uma vénia profunda.

- Alguma das nossas convidadas foi a humana que viu na propriedade do Tamlin?- Amarantha perguntou.

Ele tirou alguma poeira invisível da sua roupa elegante e os seus olhos encontraram os meus. Eu deveria estrangular Feyre por não ter feito uma descrição mais elaborada do grão senhor da corte noturna.

Rhysand é simplesmente o homem mais lindo que eu já vi.

Avaliei-o rapidamente. Os seus olhos violetas, eu já vi aqueles olhos antes tantas vezes nos meus sonhos que os reconheceria em qualquer lugar. A sua boca era fina, nariz reto cabelo negro que chegava a ter reflexos azuis escuros. Tudo nele gritava poder.

Algo dentro de mim se acalmou embora ele me olhasse com desinteresse.

- Suponho que sim.- a sua voz rouca eriçou alguns pelos.

- Mas você me disse ou não que aquela garota - apontou para Clare- foi a que você viu?- o seu tom ficou afiado.

- Todos os humanos se parecem para mim.- ele deu de ombros. Ele mentiu. Ele sabia que a humana que tinha visto tinha sido Feyre.

- E quanto a feéricos?

- Entre um mar de rostos mundanos, o seu é uma obra de arte.- bajulou fazendo uma vénia suave.

Sorri escondido sob o véu olhando para Feyre sabendo que ela tinha vontade de fazer o mesmo.

Só se o rosto de Amarantha fosse considerado uma obra de arte no quinto dos infernos porque aqui nem a pau.

- Qual o nome delas?- Amarantha perguntou.

- Como eu vou saber? Ela mentiu para mim.- a cara de Amarantha fechou.

Rezei para naquele momento Feyre ter zuado quando disse que Rhysand conseguia ler mentes. Ele iria descobrir o meu nome, as minhas fraquezas para usar, minha família, absolutamente tudo. Amarantha estalou os dedos e Attor puxou alguém da plateia levando-o para a nossa frente.

Lucien. Meu melhor amigo. Ele se debateu mas de nada serviu. Attor o obrigou a ficar de joelhos.

- Rhysand, segure a mente dele.- Rhysand curvou-se.

Feyre me olhava assustada. Ela teve a sua mente invadida por Rhysand e disse que a sensação tinha sido horrível.

- O nome delas emissário?- Amarantha perguntou começando a perder a paciência.- Achei que tivesse aprendido a sua lição.- suspirou.- Tamlin, o nome delas.- ele não falou nada.

Ela acenou para Rhysand que deu um pequeno sorriso porém um segundo antes dele entrar na mente de Lucien eu e Feyre reagimos.

- FEYRE- ela gritou ao mesmo tempo que eu gritei MIKAELA. Rhysand deu um passo para trás e Lucien deixou sair um suspiro de alívio.

- Feyre.- Amarantha testou.- Um nome muito antigo, de nossos velhos dialetos. - a ruiva abriu um sorriso desdenhoso- Significa bonita.- ela se virou para mim me analisando.- Mikaela.- pronunciou testando a sua sonância em sua voz.- Um nome antigo herdado de uma criatura mitológica que dizem ser perfeita porém também significa cheia de vida. Vamos ver até quando.- caçoou.- Quão jovens são?

- Dezanove.- Feyre murmurou.

- Dezoito.- escutei risadas da multidão.

- Duas crianças- ela abanou a cabeça achando graça- Na próxima trarei bonecas para brincarem mas entretanto prometi-lhes um enigma.

Quase caí de joelhos quando ela não perguntou o nosso sobrenome.

Ela disse o enigma, e voltou a repeti-lo. O poema que ela recitou, eu só sentira aquilo uma vez na minha miserável vida. Apenas uma vez antes de ser arrancado de mim. Tinha um palpite porém eu e Feyre combinámos de usá-lo na última das hipóteses. Gargalhadas soaram e Amarantha ordenou a um guarda que nos levasse de volta à cela.

Ficámos horas discutindo sobre isso, dias para ser sincera porém acabou por ficar em segundo plano após um guarda abrir a porta da nossa cela dizendo que era dia de lua cheia.

Corte de terror e sacrifícioOnde histórias criam vida. Descubra agora