4 - Vá para o inferno

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A dor era alucinante ao ponto de quase desmaiar. Tentei me virar para tirar o osso da minha lombar mas era impossível. Eu não conseguia alcançar. Espero de verdade que Feyre esteja melhor do que eu.

Tinha se passado quase dois dias desde a primeira tarefa, e os primeiros sinais de infecção também. Se ficasse neste estado não sobreviveria à segunda prova. Eu não conseguia nem levantar. Horas antes consegui me arrastar até uma parede gelada.

Pânico corroía o meu corpo, principalmente a minha mente. O sangue continuava fluindo e isso era um sinal péssimo. Além do medo terrível da infecção, estava a ter inicio de hipotermia. A cela anterior era fria, mas esta era gelada a nível extremo. Partes das paredes estavam cobertas de gelo e a minha roupa ainda não secou.

Quando acordei de mais um desmaio causado por uma tentativa de tirar o osso percebi que o meu corpo ardia por dentro mas tremia por fora. Febre. A minha garganta arranhava por causa da tosse. Era apenas uma constipação, forcei a minha mente a aceitar isso.

A minha visão estava turva e não conseguia ver bem. Tudo em mim doía. Escutei barulho de passos suaves atípicos. Normalmente só escutava gritos, correntes e os fortes passos dos guardas. A porta da cela pareceu oscilar mas fechei os olhos. Idiota, pensei. Ninguém vem te salvar.

Voltei a olhar para a porta da cela e parece que toda a escuridão que envolvia se juntou formando uma figura masculina. Rhysand estava na minha frente me olhando com aversão e diversão ao mesmo tempo. Aquele olhar fez algo disparar na minha mente.

Aqueles homens tinham aquele mesmo olhar quando fizeram aquilo comigo.

De repente o seu olhar mudou para preocupado mas inexpressivo logo depois.

- Depois de se mostrar uma génia na primeira prova, esperava que estivesse em melhor estado.- caçoou tirando alguma poeira invisível da sua roupa.

- Vá para o inferno.- atirei o fazendo rir.

- A sua irmã disse o mesmo mas desmaiou logo de seguida.- ele fez beicinho.- A infecção do braço dela está terrível.- o meu coração acelerou com a informação.

Ele percebeu o meu interesse e aproximou de mim até se ajoelhar na minha frente. Eu estava com medo, muito medo. O último homem que esteve assim tão próximo não teve boas intenções e acabou morto.

Pressionei suavemente as minhas costas contra a parede fria. Ele já sabia do estado de Feyre, não deixaria tirar vantagem sobre o meu. Ele me olhava curioso, o que era normal para mim, uma vez a única parte do meu rosto descoberta era os meus olhos.

A sua cabeça se inclinou suavemente e por um momento não senti medo ou receio. Me senti em paz. Como se tudo o que importasse para mim fosse aqueles lindos olhos violetas.

Ele levantou a mão devagar para pousá-la suavemente sobre a minha testa coberta pelo véu fino. Ele constatou o óbvio. Estava ardendo em febre.

- O que diria Tamlin se soubesse que a sua amante mortal e a sua irmã estão apodrecendo aqui em baixo? Não que ele se importe é claro. E sua raposinha não vai puder ajudá-las desta vez.- ele fez beicinho.

- Vá embora.- atirei entre dentes.

- Fiquei com pena de deixar você e a sua irmã no escuro. Amarantha obrigou Tamlin a punir Lucien na frente de toda a corte por ter ajudado Feyre. 20 chibatadas. Outch.- os meus olhos se encheram de lágrimas só de imaginar o ódio que Tamlin sentiu ao fazê-lo e a dor de Lucien. Eu sabia o quanto aquelas chibatadas doíam por experiência própria.

- Vá embora.- atirei com a voz mais alta dessa vez.

- Eu vim oferecer ajuda e ainda tem a audácia de me mandar embora?- perguntou divertido.

- O que quer?- perguntei recebendo uma resposta imediata.

- Você.- disse simples.- Ganhei muito dinheiro por sua causa. Verdade seja dita, se você não tivesse ajudado Feyre na primeira prova, ela estaria morta. Amarantha percebeu isso e ficou furiosa.

- Vou considerar como um elogio.- ele deu um sorriso de lado.

- Vire-se para que eu veja as suas costas.- disse mais baixo mas eu apenas serrei os meus olhos.- Deixe-me ver.- sem esperar nenhuma reação ele pegou no meu cotovelo e empurrou para a frente ficando deitada diante dele. Não consegui conter o grito que rasgou a minha garganta nem a lágrimas que deslizaram nas minhas bochechas. A dor era demais, desesperadora. Tentei me recompor mas até respirar doía.

Ele sabia, ele agora sabia. Ele sabe que tanto eu como Feyre não podemos avançar nas tarefas neste estado. Ele diria a Amarantha.

Rhysand examinou o ferimento que doía tanto ao ponto do meu cérebro não sentir repulsa ao toque direto com a minha pele. Os nós dos seus dedos roçaram as várias cicatrizes das minhas costas. Eu sentia que ia desmaiar a qualquer momento.

- Está bem pior que o da sua irmã se quer saber.- ele riu.

- Saía.- ordenei com a voz fraca. Eu estava tão fraca...

- Não quer que eu cure as suas costas?- perguntou divertido.

- A que custo?- talvez eu conseguisse salvar Feyre...

- Criatura esperta, viver entre feéricos lhe ensinou alguns modos. -Tentei me levantar daquele chão mas não consegui. Estava fraca demais. Tão indefesa como a garotinha de alguns anos atrás. A garotinha que jurei nunca mais ser.

- Não me toque.- ordenei sentindo os seus dedos desenharem uma cicatriz gigante das minhas costas.- Diga logo o que quer.

- Eu já disse. Eu quero você. Ofereço um acordo. Eu curo as suas costas em troca da sua companhia durante 2 semanas todo mês na minha corte. Claro, depois de acabar as três tarefas.- o meu rosto se contorceu em confusão.

- Realmente acha que somos capazes de completar as três tarefas?- perguntei desacreditada.

- Você sim, a sua irmã não sei.- ele respondeu sincero.

Fechei os olhos pensando. Não podia recusar. Eu estava em negação mas eu sei o que a minha infecção significa. Tanto Feyre como eu morreríamos se não fossemos curadas até ao final do dia.

- Jamais passarei duas semanas com você. Uma no máximo.- respondi.

- Vai barganhar?- ele riu.- dez dias.

- Uma semana, caso contrário dê meia volta e vá para o inferno.- escutei a sua gargalhada rouca.

- Gosto de você. Uma semana então. De acordo?

- Ainda não acabei. Uma semana em troca dos seus serviços de cura para mim e Feyre.- ele sorriu de lado.

- Se os meus serviços de cura forem fornecidos a Feyre, ela também deverá passar um tempo na corte noturna.- o seu tom me avisou que não estava aberto a discussões. Lucien e Tamlin contaram vários episódios de terror que a corte noturna hospedava. Feyre era bem grandinha e sabia se virar, mas ela nunca viveu num pesadelo. Não como eu. Eu iria suportar quais fossem os horrores que presenciaria, mas Feyre?

- Eu passo uma semana e ela cinco dias. Juntas. De acordo?

- Estamos de acordo.- ele sorriu e antes que eu sentisse aquela magia dentro de mim ele tocou nas minhas costas e desmaiei na primeira descarga de dor.

Quando acordei senti-me renovada. A dor sumiu e eu levantei me sentindo limpa. Eu estava limpa. Passei a mão na minha lombar e sem sinal da ferida que estava ali momentos atrás. Suspirei de alívio até perceber algo na minha mão esquerda. Tinha um olho desenhado na palma da minha mão. Era bizarro. Parecia que me observava. Ergui um pouco a minha manga e percebi que a fina linha preta se estendia quase até ao meu cotovelo.

- O que você fez comigo?- perguntei sentindo a presença de Rhysand atrás de mim.

- Na minha corte é normal celebrar acordos com marcas.- ele suspirou me dando um sorriso.

- O que está esperando?- perguntei indo até ele e o enxotando.- Vá ajudar a minha irmã agora.- ele deu uma gargalhada rouca bem alta e começou a desaparecer nas sombras.

- Foi um prazer barganhar com você Mikaela.- disse com ironia desaparecendo.

- Vá para o inferno

Corte de terror e sacrifícioOnde histórias criam vida. Descubra agora