eu fumaça

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     Fumaça inalada não se olha os dentes. Ou será que sim? Meu corpo pega fogo, talvez me olhem os dentes, afinal. Isso se eles me restarem no final.

     Mal posso esperar para virar eu mesmo fumaça. Ser respirado por alguém e residir em seus pulmões, navegar pelas células de seu corpo e intoxicar tudo que eu puder, do jeito que eu puder. Como me intoxica a vida.

     De que seria a minha fumaça? Imaginei fumaça de bolhas, mas isso não existe — até onde eu sei. Devo ser agora uma bolha recheada de fumaça, sem saber como me estourar sem perder tudo que guardo dentro. Será possível?

     "Guarde sua fumaça para você", eles disseram, mas quando algo me penetra a bolha é quase impossível de me guardar. Eu não sei as técnicas, ou não aprendi o controle. Na verdade, não quero guardar minha fumaça para mim, quero espalhá-la por todos os ventos e ser consumida por todos queles que se beneficiarem de meu entorpecente. Porém, é uma troca. Eu raramente sei trocar. Eu cedo minha fumaça, às vezes cedo tanto que ela se esvai e lá vou eu procurar me preencher de novo. Sozinho. Sem a troca. Sem ajuda. Sem muita empatia ou comoção.

     Talvez a culpa seja minha, afinal. O sonho de salvar o mundo me trouxe até aqui. A fogueira santa e divina que usam para punir os feiticeiros e extorquir os fiéis.

     Ex fiel extorquido, atual contenado, futuro fantasma, assombro ou encosto, mas que prefiro chamar de karma. Você dá, você leva. Se der demais algo ou alguém vai te levar, se levar demais é por que talvez tenha merecido. Devo merecer minha fogueira.

     Eu sempre imaginei-a mais reconfortante, acalentadora ao invés de desesperadora. Achei que queimar me deixaria livre, mas enquanto queimo não posso afirmar se este é o destino final. Se é que há mesmo um destino final. Provavelmente existem vários e não os vou calcular. O destino que me procure. O final que me ache. As chamas que me consumam. E eu que... Bem, eu que me leve até mim.

votos secretos da identidade do ventoOnde histórias criam vida. Descubra agora