o funeral da rosa

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     Eu sou uma grande fã de fugir dos problemas, e foi assim que me matei. Morte morrida ou matada, não por mim. Bem... Não pelas minhas próprias preciosas mãos.

     Fugia de vermelho como em touradas, e então me cobria de invisibilidade para parar de correr. Dormia e comia do chão, só para não ter que lidar com os redemoinhos longe dele. A gravidade, Oh!, a gravidade, sempre me mantendo deitada ali, à meia luz, com barulhos de música animada para abafar os pensamentos e potencializar os sentimentos. Sentimentos opostos e complementares de meus pensamentos.

     Agora a gravidade me puxa para cada vez mais baixo da terra. Passei pelo musgo e nele me aconcheguei, colhi algumas flores para serem enterradas junto comigo, pequenos animais e seres brilhantes seguiam meu funeral como testemunhas, não como quem está de luto, apenas como se estivessem vendo um lindo filme mórbido com centelhas furta cor.

     Sempre achei engraçado furta cor, cores furtadas de todos os lugares, quase como um caleidoscópio ou prismas. Em alguma parte de meu eu vivo ou morto, sabia que o funeral seria dessa cor. Brilhei com elas em vida, brilho e brilharei ainda mais com elas em morte.

     A terra me puxa para mais fundo, abraçando-me, confortando-me, fazendo-me parte dela como sempre fui e costumava esquecer. Não esquecerei mais, até que minha consciência esteja entre galhos, cascalhos, pedras e com sorte: magma. Não de forma suicida, sempre quis ser capaz de mergulhar em um vulcão. Sempre gostei de fogo, brinquei muito com ele até ser queimada de todas as formas possíveis. E aí brinquei um pouco mais.

     Já fui uma semente, talvez tenha chegado a ser flor, não tenho julgamento certo sobre isso, talvez um dia a terra me conte melhor, já que as flores aqui apenas de vez em quando sussurram coisas que não posso ouvir. Porém, me observam como se eu fosse quase semelhante. Não uma flor, mas por um instante parte deste jardim-funeral. Sei que estão felizes pelos nutrientes que eu providenciarei, ao menos isso me parece justo.

     A felicidade é parcial, eu não sou a única. Sou única, mas não a única. Todos seres e energias que transbordam aqui já viram uma morte ou duas — de corpos como os meus —, e centenas de milhares daqueles que nascem e desfalecem aqui. Talvez este jardim-funeral-cova seja também um museu.

     Também gosto de museus, ser parte de um é um sonho, talvez o realize agora em minha transformação-petrificação. Pergunto-me se aqui aparecem muitos visitantes, não estarei visivel, mas espero sentir a presença. Como será que as obras de arte se sentem quando são admiradas assim? Queria perguntar as flores, mas elas ignoram meu olhar. Continuo descendo, e sinto que a metade traseira de meu corpo já está submersa. Sinto-me ótima!

     É refrescante aqui, o cheiro também é bom. Borboleras de todas as pousam no que resta observável de mim, uma azul, mais atrevida, aterrisa em meu nariz antes de me selar a boca. Um beijo para me calar, meu trabalho está feito, posso descansar agora.

votos secretos da identidade do ventoOnde histórias criam vida. Descubra agora