CAPÍTULO III : O JARDIM

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Não sei se já tivera a oportunidade de fazer visitas a algum museu. São eles ambientes pensados para trazer a máxima experiência de uma época. Um mergulho esplendido em uma realidade que não é a sua. São como os livros, porém você pode andar pelo lugar e se sentir parte daquela história de maneira ainda mais real. Museus fornecem a passagem livre de um universo para outro. Basta você se permitir ler as placas e ter um pouco de imaginação.

Não demorou para que eu começasse minha imersão definitiva àquele universo. O curador servindo de guia nos conduziu por um dos corredores principais ligados ao Hall onde estávamos. Ele era largo e com muitos quadros, estantes e estatuários, todos com pequenas identificações que se eu parasse para ler todas, algo que costumo muito fazer em visitas livres, demoraria um dia inteiro.
Como expliquei, todo o processo de visitação era muito imersivo, haviam móveis de diferentes épocas e estilos, mas carregavam certa unidade em seus detalhes envelhecidos. Não havíamos ainda chegado ao cômodo mais precioso e os olhos de todos circundavam o cenário muito bem decorado e iluminado com elegante luz elétrica.
Entre tantas portas, uma abertura em arco antigo abria um grande vão em uma das paredes do corredor ao nosso lado, passamos na frente da Cozinha da exposição, com aparelhos antigos e uma mesa coberta com papeis protegidos por uma película de vidro. Não nos atentamos a este cômodo e passamos direto por ele para encontrarmos o Jardim, como nosso próprio guia havia indicado.

Acabei me colocando mais atrás podendo observar duas duplas se formando. Apesar da rica coleção do acervo, as atenções estavam divididas e só notei após focar-me nisso. A mulher loira de cabelo levemente a cobrir a parte de trás de seus ombros, olhava o policial sem nenhuma pretensão de ser discreta. Apesar de estar de costas para mim, a postura do homem deixava claro que não gostava nada daquilo, olhando para a mulher com uma seriedade assustadora. Ela não pareceu se abater, sorria com dentes branquíssimos e cinismo nos olhos.

Mais à frente o homem francês estava bem próximo ao curador. Pensei por um momento que ele iria abraçar o rapaz de tão próximo que se portava. Ao invés disto ele olhou para trás, mas não para mim e sim para o policial, voltando-se para frente com os ombros mais tensionados do que antes. Agora eu via que ele não se aproximava do curador, mas estava na verdade tentando se manter longe do policial.

- Foi o senhor mesmo quem selecionou os visitantes desta noite, senhor Helved? – O policial deixou a mulher a ver navios, voltando seu foco para os dois mais à frente. A voz dele possuía certo tom de malicia, mas ele não sorria, no entanto. Sua postura trazia a impressão que ele sempre estava à frente do que o outro iria responder. Como se já soubesse as respostas e qual resposta ele mesmo lhe daria, numa réplica manipulada.

- Sim, sim – Respondeu o Curador, olhando para trás também. - Eu selecionei os convidados desta noite.

Não soube dizer se ele estava mesmo demonstrando uma atitude de suspeito ou se só estava com a mesma sensação de conversa induzida que eu havia notado. Como esperado, o policial prosseguiu quase sobrepondo a fala do outro:

- O senhor tem um sotaque bem forte, é francês?

Então todos entendemos a quem ele realmente estava na mira. O homem parou de andar de súbito e olhou para o policial. Logo todos paramos, a maioria sem entender o que estava acontecendo.

- Hun? Sou, sou sim. - Realmente, seu sotaque era forte. Tão forte quanto o meu, ele parecia sofrer ao falar nosso idioma, como se cada palavra tivesse um processo cuidadoso de revisão antes de ser dita.

- Algum problema? - Mudou sua postura em questão de um instante. Passiva e despreocupada, e o silêncio antes da resposta do policial me encorajou a me afastar.

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