CAPÍTULO II : A MANSÃO

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Após a larga escadaria, havia uma área coberta até a porta de entrada que possuída seus quase 3 metros de altura, dividida em duas partes e com vidraçarias foscas no topo. A porta parecia pesada quando foi aberta, com seus detalhes na madeira sobressaltados e lustrosos, muito diferentes das tábuas que bloqueavam o lugar alguns meses atrás.

Quando a porta se fechou atrás e nós, com seu peso e grossura, deixou todo o frio do lado de fora e o lugar rico em histórias para contar nos recebia abertamente. O espaço interno era tão grandioso quanto o externo. Toda a luz dourada que dava a sensação que ouro pintava as paredes internas, na verdade vinha de um imenso lustre com mil fragmentos de vidro pendurados em formato de cone. Nas paredes carpetes e quadros dos mais variados tamanhos. Móveis cobriam quase todo o espaço, todos com placas de identificação próximas e um ou outro com isolamento de tecido pesado os cercando. Para diferenciar os móveis que os visitantes podem e não podem usar. Havia dois corredores, um largo a nossa esquerda e um de tamanho padrão a direita. Mais ao fundo uma estreita escada de madeira subia ao primeiro piso em espiral e inúmeros outros caminhos se espalhavam pelo Hall de Entrada. Incluindo duas portas, uma mais discreta e escantilhada e outra de correr que parecia apenas dividir cômodos, próxima a um raro telefone recentemente instalado.

Depositamos nossos casacos em um cabideiro posicionado ao lado da entrada. O casaco de pelos foi o primeiro a ir para o cabideiro, posto pela própria dona após junta-lo a contragosto do chão, logo na entrada. Meu sobretudo preto de tecido tão pesado como uma cortina, libertou meus ombros e agora eu apenas vestia meus trajes brancos e bufantes. Apesar de não serem muito coloquiais, mantinham a elegância necessária para a ocasião, além de denunciar que dentre eles eu representava o ramo literário e artístico. Analisando sob este prisma, não sei dizer de que ramo os outros dois convidados representavam. Estavam distantes de figuras que consideraria Pessoas Quaisquer. Muito assemelhavam-se a personagens literários de contos sobre os desclassificados ou obscuros segredos da classe elite. Poderia encontra-los em livros de investigação criminal ou romances proibidos, reconhecendo uma postura dramática admirável neles. Ambos se portavam insultados um com a presença do outro, como um gato ao ver seu reflexo. Possuíam também um cheiro forte, o homem a cigarros e a mulher não soube identificar a origem do cheiro adocicado que suas roupas libertavam.

Quanto ao acervo de entrada, era uma coleção divertida de muitas épocas diferentes. Cada peça, seja estatueta marcando a base da escada, luminária retorcida em ferro ou mesmo as cortinas grossas, possuam uma pequena placa do ano de fabricação e data de pertencimento na casa. Muito pouco parecia ter sido descartado do mobiliário original e, se não fosse por uma organização muito impressionante, a circulação poderia estar prejudicada. Em síntese, o curador criou um verdadeiro cenário para nós. Mergulhando em uma sala com mil caminhos, com peças de diferentes épocas, com diferentes histórias. Uma pintura de escadas subindo na horizontal levando a vertical e terminando ao meio. A linha narrativa parecia intrigantemente bagunçada naquele lugar e nosso guia nos esperava próximo a lareira.

A lareira era tão grande que ele mesmo poderia entrar sem precisar se curvar se assim desejasse. O que, para ser sincero convosco, não era assim muito difícil, devido sua baixa estatura... Porém para os demais, principalmente para mim, o mais alto presente, ainda podíamos esquentar o rosto ao fogo sem mais do que baixar o foco dos olhos. O fogo estava aceso, baixo e manso, estalando reconfortantemente. Acima da lareira, como eu já esperava, havia um quadro levemente inclinado para frente seguindo a inclinação da própria parede. Sempre me perguntei se é necessário possuir um quadro para se ter uma lareira, ou se devemos ter uma lareira para ter onde pôr os quadros. No fim, um não parece muito completo sem o outro.

- Novamente gostaria de dar as boas-vindas ao novo Museu Norte Americano, O Palácio das Vozes. - O curador iniciou seu ensaiado monólogo, como um arauto anunciando a história. - Nossa equipe tem trabalhado com muito esforço para manter este lugar e todas as histórias que ele carrega. Por isso, é com muito orgulho que recebemos vocês aqui hoje. Esperamos que possam, como pré-estreia, dar seu parecer quanto a visita e levantar quaisquer questionamentos sobre o acervo durante o passeio. - Seu tom bem estruturado e empostado preenchia a sala na qual estávamos erguendo-se no meio daqueles móveis e quadros congelados no tempo esperando por servirem de intermediador entre nós e uma outra época. Senhor Helved tinha paixão em seus olhos e um carinho em suas palavras que eu me identificava. Falar sobre o que amamos, principalmente quando nasce de muito trabalho era pessoalmente recompensador, mesmo que aos ouvintes, muito provavelmente, este peso não seja totalmente recebido.

O Palácio das VozesOnde histórias criam vida. Descubra agora