CAPÍTULO XIII: A QUEM RECORDAR

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- O que você está fazendo?

A voz recém acordada de Thomas alcançou o grupo e cessou nossos gritos. Do breu uma pequena luz retornou ao quarto. Vindo da grande janela central, cinza, tão pouca que mal alcançava as paredes ou distinguia o rosto dos presentes. O garotinho não parecia enxergar ninguém além de Saloo, que estava entre meus braços.

Só ousei me mexer quando o menino virou a cabeça para mim com olhos a procura de um foco. Não. Ele não poderia me ver. Sua roupa era de um tecido grosso e quente, seu rosto parecia gelado ao toque. Eu lhe soltei, chocado demais com o fato de que podia toca-lo, tão real quanto qualquer um de nós. Ele piscou algumas vezes olhando em volta e depois para si mesmo.

- Você está tentando de novo, não? – Saloo segurava seu pincel de metal contra o próprio peito, com a ponta perigosamente pressionada muito próximo a garganta. Percebendo a ameaça do objeto, senti o impulso de bater em sua mão e tirar o pincel dele. Chacoalha-lo em repreensão por se apontar aquela lamina e abraça-lo também, mas ele mesmo soltou, assustado com o que estava tentando fazer sem consciência de seus sentidos. Thomas se aproximou a passos lentos, abandonando suas cobertas e chegando até o irmão que não podia falar o terrível pesadelo que acabara de viver. Seria Thomas capaz de entender quão terríveis demônios perseguiam seu irmão? Saloo corria riscos que nenhum adulto controlaria, muito menos o protegeria. O abraço do irmão parecia a única fortaleza que ele seria capaz de encontrar. Senti meu peito se aquecer com a imagem, com um pouco de alivio de vê-los juntos. 

Como uma simples miragem, eles desapareceram.

Retirei minha cartola e me abanei recuperando o folego, mexendo nos cabelos suados. Eu estava bem apesar do susto. Estava vivo, apenas mentalmente abalado, como de tradicional costume. Percebi o quanto estava tonto, o corpo relaxou, e eu, que não respirava até então, tremia descompassadamente. A sensação que tive ao entrar em embate com aquele espectro  foi de puro vazio, ódio, raiva, desespero, medo, angustia, agonia. Olhar aquela coisa me congelou até a alma. Nem meu sangue corria, nem meus pensamentos funcionavam. Era só uma memória, as crianças já não estavam ali a muitos anos e eu não podia ajuda-las. Apesar de ter abraçado o menino e sentido uma verdadeira conexão com ele, seu verdadeiro salvador foi seu irmão. Eu não poderia ajuda-los mais. A única criança que eu podia ajudar de verdade estava agora do outro lado do oceano e eu estava ali, preso naquela mansão.

- Atenção! – Tyler comandou de repente, fazendo todos se agruparem próximo ao piano onde eu estava.

Percebi que a sala estava em um escuro não natural. Com as camadas de sombras reforçadas e sobressaindo-se pela luz cinza que entrava pela gigantesca, porém inútil, janela.

Levantei-me às pressas pondo a cartola e olhando para todos. Senhorita Dellá empunhava um cassetete com as suas mãos e vi a faca de cozinha presa a seu vestido. Éric puxava Dante para trás dele e erguia as mãos fechadas em punhos. Tyler estava a minha frente, alerta, mais defensivo do que ofensivo. Puxar a arma não parecia mais a primeira opção do policial.

Das paredes profundas, os quadros eram as passagens para o perigo. As pinturas deformavam-se e saiam dos quadros. Semelhantes às do corredor que queriam no cercar, contudo eram muito maiores, muito mais reais e não sumiam quando olhávamos diretamente para elas. Criaturas com rostos derretidos arrastavam-se para fora dos quadros. Agora era a nossa vez de ir contra os monstros.

- Todos estão vendo?? – Éric perguntou trocando o foco entre nós e aquelas coisas. Concordamos em uníssono e não parecia uma boa notícia. Nenhum de nós estava a salvo daquela memória, nenhum poderia olhar de fora e distinguir o que era ou não real. Se todos estávamos vendo só provava um fato: Os cômodos estavam aumentando sua periculosidade. 

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