Capítulo 03

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Aquela manhã estava desconfortável para todos, a chuva começara a cair pouco antes do sol se erguer, a clareira estava com poças por todo lugar, os guerreiros e aprendizes trabalhavam para reforçar as tocas dos anciões e o berçário, as goteiras estavam virando um grande problema. Coração Valente reforçava um buraco no alto do berçário com Asa de Pardal, o pelo de ambos já colava em seus corpos, mesmo que a chuva que caía fosse leve. Após terminarem, tomaram abrigo dentro da toca por um momento, chacoalhando seus corpos encharcados, acabando por despertar Folha de Macieira.

— Oh céus! Desculpe Folha de Macieira! — miou a guerreira castanho malhado.

— Tudo bem, desculpe por pedir para consertar o buraco durante a chuva — ronronou a rainha marrom claro.

— Tudo bem, seus filhotes estão a um salto de coelho de nascer! Precisa se cuidar — apontou Asa de Pardal. — não é Estr- digo, Coração Valente? —

O guerreiro branco se manteve em silêncio, não conversava com seus companheiros desde que deixara de ser líder, não possuía forças, estava cansado e ainda estava de luto por se separar de seu amor, Pelo de Sol. Ambas as gatas o encararam com pena, estava isolado de todo o clã, nada dizia, sequer seu irmão, Coração de Gelo, o consolava nesse momento, pois o encarava como um covarde cujo dever abandonou. A guerreira castanho malhado não ousou dizer mais nada, apenas deu ao pelo de Coração Valente um bom trato, a única forma que achou de consolá-lo, o que parece ter o ajudado a relaxar. Após ajudar no berçário, Coração Valente fora para a toca do curandeiro buscar sementes de papoula para Rabo de Algodão, a velha anciã sentia dores fortes nos quadris e reclamava tanto que Presa Mole desejava estar completamente surda. Ao adentrar a toca, Mancha Negra estava acabando de ensinar a Brilho de Prata como se aplicar Cauda de Cavalo.

— Certifique-se de limpar a ferida antes, para evitar criar pus — orientou a curandeira calmamente.

— Entendi — miou a guerreira prateada, notando a presença do pai. — oh.. —

— Coração Valente, fique aí, já volto com as sementes de Presa Mole — pediu Mancha Negra ao adentrar a pequena passagem para os fundos da toca.

Um silêncio incômodo ficou entre ambos, pai e filha, se encarando como estranhos. O guerreiro branco abaixou o olhar suspirando abalado, erguendo a cabeça novamente mais determinado a recuperar seu relacionamento com sua amada filha.

— Não fui um bom pai nas últimas luas...nem um bom líder, eu tentei fazer o que o Clã das Estrelas queria que eu fizesse, mas me custou você, seus irmãos, sua mãe...oh Brilho de Prata, eu me arrependo, me arrependo de tudo! Se eu pudesse voltar no tempo, eu diria a mim mesmo para não ter feito aquilo! — lamentou Coração Valente com todo o seu coração.

— O que você fez...? — perguntou Brilho de Prata hesitante.

— Luz da Lua veio a mim quando eu perdi uma das minhas nove vidas, ele disse que eu e outro gato trilhariamos um caminho proibído, mas que nele haveria luz e força...esse gato era Estrela Bela — admitiu o guerreiro branco.

— Isso quer dizer...foi tudo por causa dessa profecia?! Tudo o que estamos vivendo agora?? — perguntou a guerreira prateada em choque, seus pelos se eriçaram enquanto tudo se encaixava dentro de sua cabeça.

— Luz da Lua nunca me disse se afetaria alguns dos clãs, mas agora sabemos... — miou Coração Valente ao se aproximar. — eu quero que saiba que eu tentei negar, tentei evitar tudo isso, mas não se pode ir contra o que Clã das Estrelas reservou para você, tudo o que planejam para nós, possui um significado... —

— Mas que significado pai! Nosso clã está em ruínas! — lamentou Brilho de Prata desacreditada.

Houve um momento de silêncio, um momento em que o gato branco se perdeu em seus pensamentos, procurando um significado para tudo aquilo, a profecia de Estrela de Azevinho voltou a sua mente, ainda não se realizara, os guerreiros que lhe foram prometidos, que salvariam todos os clãs, ainda eram desconhecidos, mas a profecia de Luz da Lua havia se cumprido, se passou tanto tempo que Coração Valente acabou por esquecê-las, tanto tempo que esperou por um sinal. De repente tudo fez sentido, ele ainda não nasceu.. pensou perplexo ao se dar conta que seu filhote ainda estava para nascer. O gato branco pensou com cautela, as profecias se ligavam! Estavam embaralhadas, mas estavam ligadas umas as outras!

— É isso! — miou Coração Valente de repente e alto, assustando a guerreira prateada.

— O-O que?? — perguntou Brilho de Prata confusa.

— O caminho proibído que geraria luz e força, a estação vermelha, os dois guerreiros que salvariam todos os clãs! Essa é a ordem! Ainda não aconteceu! Eles ainda não se encontraram! — ofegou o gato branco, seus olhos brilhavam com esperança refletindo com intensidade.

A guerreira prateada o encarava completamente confusa, a curandeira surgira da passagem segurando o pacote de sementes na boca, sua expressão de surpresa mostrava que havia ouvido tudo. Coração Valente não sabia como explicar, mas estava tão aliviado, seu sofrimento, sua perda, nada fora em vão, se sentia renovado quando saira da toca do curandeiro carregando o pacote de sementes, sua postura imponente, os olhos erradiando confiança e bravura, emanava novamente a aura valente que um dia tivera, era novamente Coração Valente, o bravo guerreiro do Clã do Fogo.

Os poucos gatos que estavam na clareira lhe observavam passar completamente chocados, a súbita mudança os deixara sem palavras, Pelo de Sol que estava saindo da toca dos anciões após trocar os musgos ensopados de Cegueta ficou congelada ao ver o ex-companheiro vir em sua direção, o gato que amou com tanta intensidade estava ali, diante de seus olhos, parecia um sonho. Couro Chamuscado os observava na entrada da toca dos guerreiros, vira a troca de olhares que ambos os gatos tiveram ao passarem um pelo outro, não mexera um músculo, sequer piscou, seus pensamentos eram um mistério, seu olhar sequer revelava seus sentimentos.

Enquanto observava Rabo de Algodão lamber as sementes de papoula, o gato branco estava ansioso para recuperar tudo o que havia perdido, conquistaria novamente a confiança de seus filhos, seu irmão que havia perdido a fé em si, de Pelo de Sol, mesmo que não voltassem a estar juntos, seria difícil, mas não desistiria tão facilmente.

Gatos Guerreiros: Verdades OcultasOnde histórias criam vida. Descubra agora