Faltam poucos dias para a viagem á Auschwitz. Eu tinha finalmente encontrado o meu passaporte, ele estava guardado em uma mala antiga de viagem. Quem deixa o passaporte em uma mala? Eu sou realmente bastante desleixado com algumas coisas, Marie dissera isso uma vez e ela estava certa.
Me arrependo amargamente por ter folheado o pequeno livro azul. Carimbos e mais carimbos de viagens que havia feito com Marie, lembranças da época em que eu era verdadeiramente feliz invadiram a minha mente. Marie costumava dizer que colecionar lembranças felizes era importante.
Essas lembranças felizes agora me traziam dor e tristeza.
Eu ainda não aprendi lidar com isso.
A saudade de Marie não é bonita.
Muitos dizem para focarmos nas lembranças boas que criamos com as pessoas que amamos e que devemos ser gratos pelo tempo que pudemos compartilhar ao lado delas...
Mas não dá!
Eu não superei e nem estou conformado com a morte de Marie.
Naquele ano havíamos feitos vários planos, tínhamos planejados de ficarmos "grávidos", era um sonho de Marie ser mãe e é claro que eu estava apavorado com a ideia.
Ter filhos não é uma coisa que eu sonhava. Eu queria viajar mais. Tinha lugares que eu queria levar Marie, lugares que eu queria conhecer. Um filho adiaria tudo isso, sem contar também que éramos bastante atarefados na época, tínhamos várias horas para cumprir na St. Andrews
Um filho exige uma enorme dedicação.
Isso era um coisa que deveríamos decidir juntos.
Marie possuía um caderno de anotações onde ela fazia planos e sonhava com nomes para um bebê que nem existia. Todos os dias ela me contava que havia pensando em um novo nome.
— O que acha de William Charles?
Marie perguntou, em um dia que estávamos presos em casa devido uma tempestade muito forte. As aulas haviam sido canceladas.
— Eu imagino um homem adulto. Não pode ser um nome mais jovial? Algo como Bryan, ou alguma coisa do tipo?
A mulher abre um enorme sorriso ao pular em meu colo, seus braços envolveram o meu pescoço.
— Isso quer dizer que você tem pensando no assunto sobre ficarmos "grávidos"? — Dou apenas um sorriso.
De fato eu havia pensado muito sobre o assunto durante um bom tempo. Um filho com a mulher que eu amo não seria algo ruim. Eu poderia levar o garoto á jogos de beisebol, faríamos muitos bagunça assistindo aos filmes de ação.
— É, talvez eu esteja interessado nessa ideia. — Eu deposito um beijo em seus lábios macios e sorrio para ela. — Consigo visualizar um garoto correndo por aí e bagunçando todos os seus livros.
— E se for uma menina? — Indaga Marie. O sorriso em seus lábios é presunçoso.
— Não. — Debochei. — Será um garoto. Um garoto muito forte. — Lembro de Marie franzindo o cenho ao ser contrariada por mim.
— Keanu! Isso não é algo que decidimos. Você só aceitará de for um menino?! — Sua voz é zangada, lanço um sorriso malicioso para Marie. A mesma tira os braços ao redor do meu pescoço, em uma tentativa de sair do meu colo, eu a pressiono de volta para mim pela cintura.
— Não me importa se será uma mini Marie ou uma versão menos mal humorada de mim. O importante é ter um filho com a mulher que eu amo. — Nessa frase, eu fui capaz de tirar o sorriso mais lindo que já vi nascer no rosto de Marie. Nem no dia do nosso casamento, quando eu disse "sim", ela havia dado um sorriso daquele. Porém, eu amava muito contraria-la. — Mas, eu ainda prefiro que seja menino.
Deixo todas as lembranças de lado e me concentro em chegar na Saint Andrews, por coincidência ou não, assim como em meu pequeno devaneio, está chovendo. Não é uma tempestade que se iguale àquela época.
Desço do carro, sendo molhado pela chuva. Corro para sala dos professores, o meu cabelo está molhado e pingos de água caem em minha camisa social branca.
— Bom dia, Margareth. — Eu cumprimento a loira ao meu lado e logo me arrependo ao notar que sala ainda estava vazia.
— Bom dia, que chuva não? — Margareth responde, desabotoando um botão de sua camisa de seda. Limpo a garganta e desvio o olhar. Não quero que ela intérprete isso de forma errada.
Me concentro em meus papéis e em algumas anotações que fiz na noite anterior, pretendo usá-las na aula de hoje. Não percebo que a sala está cheia de professores até várias vozes começarem a tirarem a minha atenção, assim como o diabo foge da cruz, me retiro da sala dos professores indo em direção a minha sala de aula.
Ao tocar do sino, a sala é tomada por alunos. Dou início a mais uma aula, porém falta um par de olhos nessa sala.
Hoje é o quarto dia de aula que Zoey não comparece. Eu a tinha visto pela última vez no nosso jantar após o estágio. A garota simplesmente sumiu.
Eu estou curioso para saber o motivo de sua ausência, por mais que tivéssemos uma história de amizade e de beijos roubados, eu não posso simplesmente ir até seu apartamento.
Para todos os defeitos eu ainda sou o professor e devo me mostrar um profissional, certo?Eu não tenho a resposta para isso.
Ultimamente eu não tenho resposta para nenhuma das minhas perguntas.
A única coisa que tenho por certo é o sentimento que nutro em segredo por Zoey, o qual eu estou lutando todos os dias para tentar esquecer, mas com esse laço de afeto que se aprofundou entre nós durante o estágio está simplesmente impossível de fazer.
Será que eu realmente quero deixar esse sentimento de lado? Essa é mais uma, das várias perguntas que tumultuam a minha mente confusa.É impossível negar a conexão que há entre nós dois.
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Além do Olhar © 2020
Roman d'amourKeanu Davies é professor de uma renomada Universidade chamada Saint Andrews. Sua vida era de certa forma perfeita, tinha uma linda esposa chamada Marie. Ela possuía uma característica única e inconfundível, seus olhos, um castanho escuro tão intens...