– Por aqui, por aqui, isso. – disse Uller conduzindo o caminho para Hela, que trazia Knud em seus braços. Atravessaram uma caverna tão escura quanto aquela em que nascera. A luz branca e incandescente em seu final se revelou um jardim nevado.
Teixos se espalhavam por todo o santuário, com suas frutinhas escarlates se destacando em meio às folhas em sua coberta branca. A neve estava tão iluminada que parecia quente ao olhar e aconchegante aos passos. No centro do santuário estava uma grande casa circular feita de madeira retorcida e repleta de ramos, que cresceram segundo molde da morada de Uller.
– Bem vindos a Ýdalir, meu humilde lar! – disse ele, com um sorriso no rosto.
Ao adentrar a casa, foram recebidos primeiro por uma cortina de ossos, cristais e ramos de teixo amarrados por cordas. Quando a atravessaram, depararam-se com a casa dividida ao meio entre as ferramentas de um artesão e as de um feiticeiro encantador. De um lado havia livros e pergaminhos em vastas prateleiras de galhos trançados e toda sorte de objetos repletos de runas entalhadas pelas paredes, mesas e até pendurados no teto por cordas. Do outro lado havia instrumentos de carpintaria e uma vasta coleção de arcos de madeira e gelo pendurados na parede ou em produção. Alguns tinham formas mais artísticas, espiraladas, quadradas, suaves, rústicas, expansivas ou extremamente simples como arcos de fazendeiros. Foram até o cômodo seguinte, mais afastado e quente.
– Ponha o garoto aqui. – afastou os objetos da mesa da cozinha, próximo à lareira.
Hela deitou Knud sobre a mesa. Ele ainda era parcialmente ave, penas brotavam de seu rosto, que parecia profundamente adormecido.
– Não há doença em meus súditos... Pelo menos não corporal.
– Almas ainda podem se ver em contrariedade, impotência, e adoecer.
– Ele foi ferido pelos corvos quando estava na forma de pássaro. Ainda assim...
– É como se ele estivesse em um estado intermediário entre o garoto afogado e a ave.
Hela assentiu.
– Ele não saiu dessa forma por vontade própria. E, antes disso tive acesso ao passado, o momento da morte dele, tal como vi Odin e seu futuro.
– Interessante... – disse ele. – E bom saber que você está descobrindo o que pode fazer.
– Nesse momento melhor descobrirmos o que podemos fazer por ele.
Uller pegou um conjunto de penas negras e escarlates, pôs ao lado do garoto e começou a triturar folhas em um pilão de osso cavado.
– A chave do feitiço era conexão, o contato. Mas conexão é algo construído. Por vezes é mais unilateral do que parece, e mais compartilhado do que se pensa. É algo que se constrói com atos, que se sustenta com encantamentos.
– Encantamentos?
– Palavras.
Hela observou a face adormecida do garoto. Era uma alma tão antiga, talvez ainda mais que sua própria forma corpórea. A indeterminação fazia parte da natureza dela, ainda assim aquele mistério provocava algum incômodo.
– Você se importa, não é? – disse Uller, como se lesse seus pensamentos.
A deusa da morte nada disse.
– Não tem nada a temer, apenas tente fazer o que você fez antes: ver onde ele realmente está.
– Odin usou uma corda de cipó dourada e seus próprios feitiços para ativar meu dom. Não sei como fazê-lo por conta própria. – Hela mostrou com as mãos o que ele havia feito.
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A Herdeira de Hel
RomanceHela é a personificação da morte. Seu corpo é metade vivo, metade morto, lado este sempre evitado e temido, seja pelos mortais ou deuses. Niflheim é seu lar, e Hel, reino dado a ela por Odin, é o lar dos mortos, que ela cuida e direciona com mãos j...