Capítulo 8

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A alvorada alaranjada falava uma língua familiar para Hela. Estava deitada, sonolenta, e o mundo ganhava sentido lentamente. Nuvens escuras se apossavam do horizonte sobre o mar, anunciando a próxima chuva, e as ondas opacas que banhavam a praia cinzenta já pareciam prever a tempestade que viria.

Hela não se via em lugar algum, não tinha corpo. Ela era o vento que chegava, as cinzas que se espalhavam no ar, era um eco numa caverna.

Estava diante de uma praia escura, estavam lá também dois jovens, um de atmosfera como nuvens carregadas, mas quietas, o outro, mais jovem, transbordava a tormenta de seus olhos. Suas roupas eram castanhas e maltrapilhas, sua pele estava suja de terra, sal e poeira acumulada, e seus cabelos, negros e desgrenhados, estavam parcialmente colados aos seus rostos.

Caminharam até a encosta, onde o pedregulho e a areia deram lugar a uma terra sólida e difícil de cavar, mas o mais velho o fez com as próprias mãos. Ele carregou o menor sobre seus ombros, ainda ensopado, cuja pele começava a se esverdear. Seu eco, de igual aparência, chorava ao lado.

– Nadran! – soluçava e chamava. – Irmão!

Observara o homem deitar delicadamente o pequeno na terra, junto a um único e pequeno jarro partido, e cantar aos soluços. O irmão acompanhava a canção ao seu lado, os gestos que fazia selavam o corpo para os mortos. Cobriu o garoto afogado com um manto de terra usando as mãos nuas, repletas de sangue seco pela atividade de cavar, e então sussurrou algo em uma língua distante.

São filhos das gerações mais antigas.

Hela se aproximou como uma brisa. Nadran fechou os olhos, mas o pequeno garoto, que assistira o próprio sepultamento, ergueu a cabeça para ela. Viu-se ganhar forma, uma silhueta feminina de poeira, sustentada pelos ventos.

Ela se ajoelhou, mas não tinha nome para falar. Ajudou a secar tempestade dos olhos do garoto afogado e lhe deu a mão. Caminharam juntos pela praia daquela ilha deserta e desolada. O garoto falava de como seu irmão, Nadran lhe ensinara a enterrar se despedir dos mortos quando seus pais morreram. A perda já era conhecida, mas ainda assim tudo aquilo ainda era estranho.

– Quem é você? – perguntou aquela voz familiar.

– O último eco desvanecente.

– Eco de que?

– Da vida, seu último suspiro, que aguarda um mundo frio e duro como gelo, escuro como olhos cerrados, vasto como o abismo.

– Que mundo esquisito.

– É um mundo que encontrará todos.

– Como se chama?

A tempestade escondeu o sol durante todo o dia, e, sem se dar conta, dissipou-se enquanto eles observavam o crepúsculo.

Hel.

Viu o sol se erguer e cair das planícies frias do norte às florestas ricas do sul, atravessando gerações cada vez mais antigas dos vivos. De cada respiração, cada último suspiro, Hela era sua sombra, pulsante e invisível. A vida era seu lar por excelência. Viu seres das primeiras grandes gerações nascerem e serem extintos. Viu com eles os céus, as estrelas, e até mundos distantes.

Hela era vento e poeira num vasto vazio. Estava no berço das estrelas e em suas explosões finais. Estava nas respirações, sobretudo na última, onde a fronteira entre a vida e a morte se estabelecia era percorrida, e a fronteira era o corpo de Hela.

O que viu em seguida foram choros em uma caverna, ruídos de lobo e o silvar de uma cobra. Nascia ela do ventre de Angrboda, mas era algo mais antigo, um eco que atravessava tempos imemoriais, através de todos os vivos, dos mortos sepultados sob a terra e do caminho das almas.

– Hela. – Sua mãe sussurrou para Loki. – Hela, os cervos e os pássaros cantaram entre si, e então todas as florestas e mares, e os reinos, souberam seu nome, apenas para reencontrar o que já conheciam há muito tempo.

Hela, sussurrou Odin involuntariamente, acordando de seu transe.

A Herdeira de HelOnde histórias criam vida. Descubra agora