Capítulo 2 - Sobrevivendo

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ÖMER
Quando cheguei em Roma, o hotel havia preparado alguns mimos pelo fato da reserva ser para lua de mel, com direito a upgrade, e foi constrangedor dizer que eu vim sozinho... Acho que o gerente percebeu meu estado e retirou tudo o que fizesse alusão ao casamento, porém com bastante discrição, mantendo apenas o upgrade. Permaneci trancado no quarto por dias. Eu não conseguia comer e vivia deitado no escuro, perdendo a noção do tempo. Quem me tirou deste estado de letargia foi Eda.
Ela nasceu na Alemanha, mas é filha de turcos. Nós nos conhecemos na faculdade em Milão, logo no início do curso. Ela é bailarina, fazia Artes e tínhamos algumas disciplinas em comum. Ficamos muito amigos. Na época, ela tinha um namorado, que estudava numa cidade próxima e vinha nos finais de semana. O Hanz era um cara legal, mas traiu Eda com uma colega de curso e eu tive que segurar a onda dela, entre as idas e vindas. Nunca houve nada entre nós, mas vivíamos juntos e nos apoiávamos muito.
Eu a convidei para o casamento, mas ela não pode ir, pois estava no corpo de baile de uma companhia fazendo shows pela Itália e países vizinhos. Eu pretendia apresentá-la a Defne durante a lua de mel. Coincidentemente, alguns shows foram cancelados e ela retornou antes do previsto para Roma, onde residia atualmente, e apareceu um dia no hotel a minha procura. Quando o interfone tocou eu nem sonhava, que ela pudesse estar ali. Eu atendi com voz de sono.
E: Ömer?! Oi querido, atrapalho alguma coisa?! - Falou com voz insinuante, afinal ela pensava que eu estava em lua de mel... Como demorei para responder, ela emendou. - Eu volto outro dia...
Ö: Eda?! - Perguntei. - Suba, por favor. 
Ainda me lembro da cara dela, quando eu abri a porta do quarto. Eu estava no escuro, de bermuda e camiseta, com a barba e o cabelo compridos e a aparência péssima.
E: Nossa! O que houve com você? Essa Defne deixou você acabado, hein?! - Falou com um risinho sacana. Eu estava de cabeça baixa e a encarei sem levantá-la, olhando-a por cima...
Ö: Sim! Mas não da maneira como você está supondo... Entra! - Convidei dando passagem.
E: Você está sozinho? Onde está a noiva? Defne... - Entrou olhando em volta, procurando e chamando...
Contei tudo o que havia acontecido e, a medida que eu falava, ela ia ficando mais estarrecida. No final, eu a estava encarando com os olhos marejados e, num impulso, ela me abraçou forte. Eu estava muito fragilizado, após dias remoendo essa história, tentando juntar os fatos... e os pedaços.
E: Oh, meu querido! O que eu posso te dizer?! - Eu suspirei encarando-a. - Você a ama?
Ö: Eu a amo muito e, por mais que eu lute, não consigo arrancá-la do meu peito e dos meus pensamentos! É como se ela estivesse impregnada em mim! Você me entende?!
E: Sim! Eu sofri muito quando me separei do Hanz. Lembra?! - Eu assenti.
Ö: E como lembro! Acho que agora consigo compreender isso em sua totalidade. Eu nunca senti nada parecido e, ultimamente, eu não conseguia sequer ficar longe dela por algumas horas, porque sentia sua falta. Era como se faltasse uma parte de mim! Imagina agora... - Suspirei. - É como se eu tivesse partido em mil pedaços e não conseguisse montar o quebra cabeças, porque faltam partes... - Ela me deu um sorriso amargo.
E: O que você pretende fazer?! - Questionou.
Ö: Eu pretendo ficar por aqui. Preciso de um tempo comigo mesmo. Estou procurando um lugar para morar. Você me ajuda?! - Ela assentiu segurando minhas mãos, me incentivando com o olhar.
E: Claro, meu querido! Você já pensou em escutar a Defne, entender os sentimentos dela.... - Eu a cortei.
Ö: Eu não tenho dúvida dos sentimentos dela. Mas, eu não confio nela e, confiança é a base de um relacionamento. Não?! - Ela suspirou concordando.
E: Talvez se você a perdoar e der uma chance?! - Eu mudei de assunto, como fiz em muitas das nossas conversas...

Após muita procura, Eda começou a entender o que eu queria. Eu gosto de lugares amplos, com jardim, ou área aberta. Ela lembrou da cobertura de um amigo, que voltou para a Alemanha e mantinha esse apartamento em Roma, para quando vinha de tempos em tempos, mas ultimamente estava com problemas pessoais e financeiros, precisando de dinheiro. Foi uma excelente opção, porque era um duplex, bastante amplo e claro, tinha um lugar para o meu estúdio e um terraço no andar superior. Estava todo mobiliado e novo, porque ele usava esporadicamente. Ele ficou muito feliz com a solução, pois manteria o apartamento, sem custos extras e sabia que eu cuidaria de suas coisas.
O apartamento era bem localizado, próximo da casa da Eda e eu fazia tudo a pé.
Passei tantas noites dormindo a céu aberto no sofá do terraço, na chuva, na estiagem, no frio, ou no calor, que até perdi as contas. Lá era o meu lugar preferido do apartamento, eu gostava de sentar no beiral do terraço para observar Roma do alto, pois a vista era belíssima. Eu vivia descalço, sem camisa e passei a beber muito, mais do que de costume, e comer pouco. A geladeira estava sempre vazia e eu comia nos mercados de rua, quando eu saía. Grande parte desse tempo recluso eu passei pintando telas, como forma de exorcizar minha dor. Nos primeiros meses perdi bastante peso e Eda brigava comigo, mas eu simplesmente não conseguia. Eu estava desleixado e deixando a vida me levar.

SERÁ ILUSÃO?Onde histórias criam vida. Descubra agora