“ A energia solar me queima e reabastece geradores que dão luz a pensamentos e eletrodomésticos da sala e da cozinha
A água quente do chuveiro lava meu cabelo e minhas obsessões. Relaxa meu ombro cansado e me limpa dos meus pecados.
Olho para o fundo do ralo em meio ao vapor. Vejo fios de cabelo e pedaços de pele morta.
Do ralo e das criaturas que ali habitam, tenho medo mas também familiaridade. Pois essas gostam do que a água leva e eu gosto de ser levado.”
Às 22:30 apagaram as luzes dos dormitórios, como manda o regulamento. Poderíamos estar todos medicados demais, porém ainda conscientes demais para ter não medo do adormecer.
A luz do alarme no teto piscava em ritmo marcado, hipnótico. O que me tentava ainda mais a cair no mundo dos sonhos. Não queria ir para lá de novo. Não, voltar não. A criatura conhecia o meu cheiro e eu o seu ainda queimava em meu nariz.
Os outros acordavam gritando pela manhã, sem lembrar de terem tido sonho algum noite passada. Mas eu não. Eu me lembrava de cada década de vida passada enquanto eu estava adormecido, fugindo Dele.
Quando os enfermeiros perceberam minha inquietação e choro durante a madrugada, me receitaram mais sonífero.
- Por favor, não me deixem voltar pra lá. Ele sabe. Eu não vou não vou aguentar muito tempo e Ele sabe. Ele me vê... Ele sabe.
Não me deram ouvidos e enquanto eu gritava me injetaram a medicação. Lutei contra o sono. Me perdi.
Acordei naquela praia. O mar uivando com sua ira sobre mim. Meus pés colavam na areia enegrecida e eu já não me movia. Não conseguia gritar.
Senti seu cheiro antes de sua presença pois um se antecipava ao outro. Era doce como corpos decompostos e flores de funeral. Não sei quanto tempo se passou enquanto cada passo caminhava em eras. Então esperei segurando minha vida, que é era pouca, pequena.
Mantive com todas as forças meus olhos fechados.
Não senti teus nada do mundo pois ele com sua presença, tudo tomava. E os sinos tocavam. Algumas, em algum lugar sinos até que foram substituídos por um som gutural ,numa voz rouca, antiga demais para ouvidos. Mas e sussurro quase ancião me disse:
- Das sete colinas e nascentes vaguei, faminto e só. Mas você me é de grande importância. Mas nem por isso deve sentir-se especial. Venho das águas efervescentes dos vulcões de enxofre e poços primordiais. Acompanhei a decadência tua e de tua raça. E de todas as que vieram antes. Não te escolhi e peço que saibas que não te há nenhum plano de salvação ou de propósito. Agora, vamos lá...- me tocou – Abra os olhos.
- Não. Não, por favor.
- Vamos, abra – repetiu calmamente.
- Eu não vou suportar. Eu arrancaria meus olhos, cortaria minhas orelhas antes de olhar para ti.
- Pois bem...
Então ouvi as vozes suplicantes e em terror de todos eles, todas elas, clamando por piedade. Então, cedi.
- Aaaah, sim. Contemple e se delicie.-
Não possuía forma definida,.não precisava. trazia consigo o frio do medo a presença de morte Nada que se pudesse dizer. Pois a compreensão tremia o ar, o peito. Não tinha olhos e via
não tinha corpo mas ocupava. Pesava.
e assumi..Existia..O Terror pelo Inominável me tomou. Tomou meu sangue e o ar de meus pulmões, me sufocando sem ao menos me dar o privilégio de gritar. Seus sons agora ressoavam em minha cabeça e sua imagem como fotografia e cicatriz, gravada em minha (em) memória (de).
Relatório:
O paciente foi encontrado em estado catatônico, babando e batendo a cabeça contra as paredes (parecia o bode da fazenda terapêutica ao lado, que pelo que soubemos acordou mais calmo mas eu acho que isso não devia estar no relatório. Cara, é um saco ficar aqui com esses doidos. Eu com certeza não to sendo pago pra limpar merda nas paredes). Tentamos contê-lo para que parasse com a automutilação e agressão mas o mesmo permanece balbuciando palavras sem sentido. O mesmo deve permanecer sedado até a volta do Dr. Branco.
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Laranjas Podres na Fruteira
Poetrycontos mal acabados e histórias. Palavras. Sobre tempos de confinamento (não só pandemicos), então por favor, tenham calma, critiquem