Indecisão

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Hoje eu vi uma menina no metrô.
Ela devia ter a minha idade ou um pouquinho mais.
Ela saiu do mesmo metrô que eu, subiu 3 andares e entrou no mesmo que eu.
Ela estava chorando.
Qual o meu problema?
Eu nem a conhecia e, ainda assim, me preocupei.
Ela passou ao meu lado uma vez e eu pensei em oferecer meus ouvidos para ela desabafar.
Eu fiquei pensando tanto durante as escadas até o próximo metrô que eu acho que acabei por ficar encarando.
Com um olhar terno e preocupado, mas ainda assim encarei.
Acho que a incomodei.
Acho que as pessoas choram nos transportes públicos porque tendem a não ser notadas.
Não sei se era isso que ela queria.
Talvez ela só quisesse conversar.
Mas eu nunca vou saber.
Passei por 7 estações e por  6 estações eu pensei.
Na primeira eu pensei que não iria incomodá-la e que a deixaria sentir a própria dor.
Na segunda eu pensei que talvez fosse de muita ajuda a ela se ela quisesse desabafar e não tivesse ninguém, além de que no pior dos casos, o máximo q me ocorreria seria eu ouvir palavras grossas de uma completa desconhecida que está tentando lidar com sua dor.
Eu diria: "Oi... eu fiquei morrendo de vergonha de vir falar com você, mas ó: eu não te conheço e nem você me conhece, eu só vou descer na Sé, então... eu não quero incomodar... mas, caso queira, pode desabafar com uma completa estranha." E sorriria.
Não consegui nem chegar perto dela sem sentir que eu iria desmaiar ou travar quando fosse falar.
Na terceira eu imaginei que caso eu estivesse com ela no momento em que ela viu a mensagem que a fez ficar mal (nem sei se foi o que de fato ocorreu) eu talvez tivesse tido coragem de perguntar e oferecer carinho e apoio.
Na quarta eu imaginei algo nada a ver: ela me puxando para um beijo assim que eu oferecesse consolo. Ridículo, eu sei.
Logo depois de imaginar essa cena, eu pensei que já não daria tempo de falar com ela.
Na quinta eu pensei que, sim, eu iria falar pelo menos algumas palavras de conforto.
Pensei num roteiro, porque só assim eu funciono:
"Oi, licença... fica bem, tá bom? Não importa o que tenha acontecido, vai dar tudo certo". Sorriria e completaria com: "Sei que você é forte".
Na sexta eu fui me aproximando e percebi que sua voz era linda, mesmo embargada e dolorida pelas lágrimas.
Ouvi sua voz falando com uma mulher.
Ela não conhecia a mulher.
A mulher devia ter se preocupado com ela, assim como eu.
Senti que tinha perdido minha "originalidade".
Fui chegando perto dela e quando as portas estavam para se abrir na sétima estação, na qual eu desceria, eu falei.
Falei as exatas palavras do meu roteiro ("Oi, licença... fica bem, tá bom? Não importa o que tenha acontecido, vai dar tudo certo!").
O barulho do trem, somado à confusão que deveria estar sua mente e ao uso da máscara fez perguntar o que eu havia dito.
Já me arrependendo e morrendo de vergonha, eu disse:
"Fica bem... não importa o que tenha acontecido, vc é muito forte".
Disse tudo do jeito errado.
Olhei para ela e a ouvi dizer um baixo "obrigada" muito fofo e sem jeito.
Saí.
Não fiquei o suficiente para observar se  seu olhar transparecia algo.
Eu fiquei feliz.
Por algum motivo (provavelmente este é o fato de eu ter passado por cima da minha timidez), eu saí radiante.
E então veio a culpa.
Quam sabe o que lhe ocorreu.
O que a deixara assim?
Será que ela realmente iria querer desabafar?
Será que ela iria querer um abraço?
Será que minha atitude impediu ou ajudou em algo?
O que ela estaria fazendo agora?
Será que eu atrapalhei em algo?
Se eu não tivesse dito nada, teria alterado alguma coisa?
Se eu tivesse dito algo antes, teria alterado alguma coisa?
Não sei.
Não sei o que aconteceu antes.
Não sei o que vai acontecer depois.
Por culpa da minha timidez e indecisão, eu fiquei sem saber sobre qualquer uma dessas coisas.
Mas, afinal, uma coisa eu sei.
Sei que eu deveria ter feito diferente.

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É poesia, não poema.

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Da Alma Para Palavras- PoesiaOnde histórias criam vida. Descubra agora