ARTIGO II

21 0 0
                                    

A santíssima Virgem e os seus escravos por amor

201. Eis, em seguida, os caridosos deveres que a Santíssima Virgem cumpre, para com seus fiéis servos, que a ela se deram como indiquei, e conforme a figura de Jacó.

§ I. Ela os ama.

        "Ego, diligentes me diligo - Eu amo aqueles que me amam" (Pr 8,17). Ela os ama primeiro, porque é sua verdadeira Mãe; ora, uma mãe ama sempre seu filho, o fruto de suas entranhas; segundo, ela os ama por reconhecimento, pois que eles efetivamente a amam como sua boa Mãe; terceiro, ela os ama porque, sendo predestinados, Deus os ama: "Iacob dilexi, Esau autem odio habui - Amei Jacó, porém aborreci Esaú" (Rm 9,13); quarto, ela os ama porque eles se lhe consagraram, e porque são sua partilha e herança: "In Israel hereditare" (Eclo 24,13).

202. Ela os ama ternamente, e com mais ternura que todas as mães juntas. Acumulai, se puderdes, num só coração materno e por um filho único, todo amor natural que todas as mães deste mundo têm por seus filhos: sem dúvida essa mãe amaria muito esse filho. É verdade, entretanto, que Maria ama ainda mais ternamente seus filhos do que aquela mãe amaria o seu. Ela não os ama somente com afeição, mas também com eficácia. Seu amor por eles é ativo e efetivo, como aquele de Rebeca por Jacó, e muito mais. Eis o que esta boa Mãe, da qual Rebeca era apenas a figura, faz com o fito de alcançar, para seus filhos, a bênção do Pai Celestial:

203. 1º) Ela espreita, como Rebeca, as ocasiões favoráveis de lhes proporcionar algum bem, de os engrandecer, de os enriquecer. Ela vê claramente em Deus todos os bens e males, as boas e as más fortunas, as bênçãos e as maldições divinas, por isso, já de longe, dispõe as coisas para isentar seus servos de todo mal e cumulá-los de todos os bens; de sorte que, se há um bom proveito a alcançar em Deus, pela fidelidade duma criatura em algum alto emprego, é certo que Maria o conseguirá para algum de seus filhos, e lhe dará a graça de chegar ao fim com fidelidade: "Ipsa procurat negotia nostra", diz um santo.

204. 2º) Ela lhes dá bons conselhos, como Rebeca a Jacó: "Fili mi, acquiesce consiliis meis - Meu filho, segue meus conselhos" (Gn 27,8). E, entre outros conselhos, ela lhes sugere levar-lhes dois cabritos, isto é, seu corpo e sua alma, de lhos consagrar para que ela prepare um manjar agradável a Deus, e de fazer tudo que Jesus Cristo, seu Filho, nos ensinou pela palavra e pelo exemplo. Se não é diretamente que lhes dá seus conselhos, fá-lo pelo ministério dos anjos, para os quais constitui a maior prazer e a maior honra obedecer á menor de suas ordens para descer à terra e auxiliar seus fiéis servos.

205. 3º) Quando lhe levamos e consagramos nosso corpo e nossa alma com tudo que deles depende, sem nada executar, que faz esta boa Mãe? O mesmo que fez, outrora, Rebeca aos dois cabritos que Jacó lhe trouxe: 1º) mata-os, tirando-lhes a vida do velho Adão; 2ª) escorcha-os e despoja da pele natural, das inclinações naturais, do amor-próprio, da vontade própria e de todo apego à criatura; 3º) purifica-os de toda mancha, sujeira e pecado; 4º) prepara-os ao gosto de Deus e para sua maior glória. Ninguém como ela conhece perfeitamente este gosto divino e esta maior glória do Altíssimo, e, portanto, só ela pode, sem se enganar, aprontar e preparar nosso corpo e nossa alma de acordo com esse gosto infinitamente elevado e essa glória infinitamente oculta.

206. 4º) Esta boa Mãe, depois de receber a oferenda perfeita que lhes fizemos de nós mesmos e de nossos próprios méritos e satisfações, pela devoção de que falei, depois de nos ter despojado de nossos antigos hábitos, limpa-nos e nos torna dignos de aparecer diante de nosso Pai celeste. 1º) Ela nos cobre com as vestes limpas, novas, preciosas e perfumadas de Esaú, o primogênito, isto é, de Jesus Cristo seu Filho, daquelas vestes que ela conserva em sua casa, ou, por outra, em seu poder, pois que é a tesoureira, a dispensadora universal dos méritos e virtudes de seu Filho Jesus Cristo, dons que ela dispensa e comunica a quem quer, quando quer, como quer, e em quanto quer, como já vimos acima (cf. n. 25 e 141). 2º) Ela rodeia o pescoço e as mãos de seus servos com o pelo dos carneiros mortos e escorchados, quer dizer, ela os reveste dos méritos e do valor de suas próprias ações. Ela mata e mortifica, em verdade, tudo que eles têm de impuro e imperfeito em suas pessoas; mas não perde nem dissipa o bem que neles a graça já realizou; pelo contrário, guarda-o e aumenta-o para lhes ornar e fortalecer o pescoço e as mãos, isto é, para que eles tenham força para carregar o jugo do Senhor, que se carrega ao pescoço, e para fazerem grandes coisas que redundam na glória de Deus e na salvação de seus irmãos. 3º) Ela põe um novo perfume e uma nova graça nessas vestes: seu méritos e suas virtudes, que ela, ao morrer, lhes legou em testamento, como diz uma santa religiosa do século XVII, morta em odor de santidade, e que soube por revelação; de modo que todos os seus servidores, seus fiéis servos e escravos ficam duplamente vestidos: com as vestes dela e com as de seu Filho: "Omnes domestici eius vestiti sunt duplicibus" (Pr 31,21). Por isso eles não têm que recear o frio de Jesus Cristo, branco como a neve, que os réprobos, completamente nus e despojados dos méritos de Jesus Cristo e da Santíssima Virgem, não poderão suportar.

207. 5º) Ela consegue-lhes, enfim, a bênção do Pai celeste, se bem que eles sejam os segundos, os filhos adotivos, e, portanto, não devessem recebê-la. Com essas roupas novas, preciosas e odorosas, e com seu corpo e sua alma bem-preparados e dispostos, eles se aproximam confiantes do leito de repouso do Pai celeste. Este os ouve e os reconhece pela voz, a voz do pecador; toca-lhes as mãos cobertas de pelos; aspira o perfume que de suas vestes se desprende; come alegremente o que Maria lhe preparou; e neles reconhecendo os méritos e o bom odor de seu Filho e de sua Mãe Santíssima: 1º) dá-lhes sua dupla bênção, bênção do orvalho do céu: " De rore caeli" (Gn 27,28), isto é, da graça divina que é a semente da glória: "Benedixit nos in omni benedictione spitituali in Chisto Iesu" (Ef 1,3: Deus nos abençoou com toda bênção espiritual em Cristo Jesus); bênção da fertilidade da terra: "De pinguedine terrae"(Gn 27,28), em outras palavras, que este bom Pai lhes dá seu pão cotidiano e uma abundância suficiente de bens deste mundo; 2º) fá-los senhores de seus outros irmãos, os reprovados, embora esta primazia nem sempre transpareça neste mundo que passa num instante, e no qual dominam muitas vezes os reprovados: "Pecatores effabuntur et gloriabuntur... (Sl 93,3-4), Vidi impium superexaltatumet elevatum" (Sl 36,35); essa primazia é, no entanto, verdadeira e será manifestada por toda a eternidade, no outro mundo, onde os justos, como diz o Espírito Santo, dominarão e comandarão as nações: "Dominabuntur populis" (Sb 3,8); 3º) sua majestade, não contente de abençoá-los em suas pessoas e em seus bens, abençoa ainda todos os que eles abençoarem, e amaldiçoa todos os que amaldiçoarem e perseguirem.


Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Feb 07, 2023 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima VirgemOnde histórias criam vida. Descubra agora