Prefácio do Padre F.W. Faber

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Foi em 1846 ou 1847, em São Wilfrido, que estudei pela primeira vez à vida e o espírito do venerável Grignion de Montfort. Hoje, mais de quinze anos depois, posso dizer que aqueles que o tomam por mestre dificilmente acharão um santo ou um criador ascético que mais lhes cative a inteligência por sua graça e seu espírito. Não o podemos ainda o chamar santo; porém o processo de sua beatificação está tão propiciamente adiantado que não devemos ter muito que esperar para vê-lo colocado em nossos altares.
  Poucos homens, no século XVIII,  trazem em si mais fortemente gravados os sinais do homem da Providência do que esse novo Elias, missionário do Espírito Santo de Maria Santíssima. Toda a sua vida uma tal manifestação da santa loucura da cruz, que os seus biógrafos são concordes em classificá-lo como São Simeão Salus e São Felipe Néri. Clemente XI fê-lo missionário apostólico em França, para que ele empregasse a vida em combater o jansenismo, tão cheio de perigo para salvação das almas. Será difícil achar, depois da epístolas dos apóstolos, palavras tão ardentes como as doze páginas da sua "Prece" pelos missionários da sua Companhia*(encontrar-se está bela "Prece" no fim do livro"). Recomendo-a a todos os que encontram dificuldade em conservar, no meio de numerosas provações, o fogo primitivo do amor pela salvação das almas.
  Grignion de Montfort era ao mesmo tempo perseguido e venerado em toda parte. A soma de seus trabalhos é, a de Santo Antônio de Pádua, verdadeiramente incrível e inexplicavel. Escreveu alguns trabalhos espirituais, que, embora conhecidos há pouco tempo, já tem exercido influência notável na Igreja, e estão chamados a influência muito maior no futuro. Suas prédicas, seus escritos, sua conversação eram impregnados de profecias e de visões antecipadas das últimas eras da Igreja.
  Novo São Vicente Ferrer, adianta-se, como se estivesse nos dias precursores do juízo final, e proclama-se portador, da parte de Deus, de uma mensagem autêntica: mais honra, conhecimento mais vasto, amor mais ardente a Maria Santíssima, e anuncia a união íntima que ela terá com o segundo advento do seu Filho.
  Fundou duas congregações religiosas, uma de homens, outra de mulheres, ambas muito prósperas. E entretanto, morreu com 43 anos, em 1716, tendo apenas dezesseis anos de sacerdócio.
  A 12 de maio de 1853 foi promulgado, em Roma, o decreto que declara os seus escritos insentos de todo erro que pudesse servir de obstáculo à sua canonização. Neste trabalho sobre a verdadeira devoção à Santíssima Virgem, escreveu ele estas palavras proféticas "Vejo claramente no futuro animais frementes que se precipitam com furor para estraçalhar com os dentes diabólicos este pequeno escrito e aquele de que se serviu o Espírito Santo para escrevê-lo; ou para sepultá-lo, ao menos, no silêncio de um armário, a fim de que não veja a luz".
  Apesar disso, prendiz, ao mesmo tempo, a aparição e o sucesso do livro. Cumpriu-se tudo à risca. O autor morrerá em 1716, e só em 1842 foi descoberto, como por acaso, este tratado, por um dos sacerdotes da sua Congregação, em Saint-Laurent-Sèvre. O superior de então pôde atestar que o manuscrito era do venerável fundador e o autógrafo  foi enviado a Roma, a fim de ser examinado no processo de canonização. Com certeza, os que vão ler este livro já amam a Deus e desejariam amá-lo ainda mais; todos desejam alguma coisa para sua glória: a propagação de uma boa obra, a vinda de melhores tempos, o sucesso de uma devoção; um empregou durante  anos todos os seus esforços para vencer um defeito particular e não o conseguiu; outro tem pedido com lágrimas a conversão  de seus pais e amigos, e está admirado de que, apesar de suas lágrimas, tão poucos dentre eles se tenham convertido à fé; este se entristece por não ter bastante devoção; aquele se aflige por ter que carregar uma cruz que lhe parece muito pesada para sua fraqueza, enquanto  outro encontra no seio da família perturbações e infidelidades domésticas que lhe parecem incompatíveis com a obra de sua salvação; e para todas essas tristezas a oração parece trazer tão pouco alívio! Qual é, pois, o remédio que lhes falta? Qual remédio indicado pelo próprio Deus? É, segundo as revelações dos Santos, uma dilatação imensa da devoção à Santíssima Virgem; mas, reflitamos bem, o imenso não admite restrições nem limites.
  Aqui, na Inglaterra, Nossa Senhora não é bastante pregada e conhecida. A devoção que lhe consagram é fraca, escassa, mesquinha, transviada pelos escárnio da heresia. Dominada pelo respeito humano e pela prudência carnal, desejaria fazer da verdadeira Maria uma Maria tão pequena que os protestantes se pudessem sentir à vontade de junto dela. Sua ignorância da teologia tira a Maria toda a vida e dignidade; ela não é, como deve ser, o caráter saliente da nossa religião; não tem fé em si mesma. E é por esta razão que Jesus não é amado, que os hereges não são convertidos, que a Igreja não é exaltada; almas que poderiam ser santas desfalecem e degeneram; os sacramentos não são frentados como o deveriam ser; as Almas não são evangelização com o entusiasmo de zelo apostólico; Jesus não é conhecido, por que Maria deles está distante. É esta sombra indigna e miserável, à qual ousamos dar o nome de devoção à Santíssima Virgem, que é a causa de todas estas misérias, de todos estes males, de todas estas omissões, de toda esta tibieza. Entretanto, segundo as revelações dos santos, quer Deus expressamente uma devoção muito diferente da atual, para com sua Mão Santíssima. Sou de opinião que não há obra mais excelente, mais eficaz para se conseguir este fim, do que a simples propagação desta devoção particular do venerável Grigninion de Montfort.
  Basta apenas que uma pessoa experimente para si está devoção; em breve, a surpresa que lhe causarão as graças que ela traz consigo, assim como as transformações que produzirá em sua alma, convencê-la-ão de sua eficácia, quase incrível aliás, como meio para conseguir a salvação das almas e a vinda do reino de Jesus Cristo! Oh! se Maria fosse ao menos conhecida, não haveria frieza para Jesus! Oh! se Maria fosse ao menos conhecida, quão mais admirável seria nossa fé, como seriam diferentes as nossas comunhões! Oh! se Maria fosse ao menos conhecida, quanto mais felizes, mais santos, menos mundanos seríamos, como nos tornaríamos imagens vivas de Nosso Senhor e Salvador, seu diletíssimo  e diviníssimo Filho!
  Eu mesmo traduzi o tratado todo, o que me deu muito trabalho; e fui escrupulosamente fiel. Tomo ao mesmo tempo a liberdade de avisar o leitor de que com uma só leitura do livro não o poderá compreender a fundo. Acha-se neste livro, se assim ouso dizer, o sentimento de um não sei quê de inspirado e sobrenatural, que vai sempre em aumento, à medida que nos aprofundamos em seu estudo. Além disso, não se pode deixar de experimentar, depois de lê-lo repetidas vezes, que nele a novidade parece nunca envelhecer, a plenitude nunca diminuir, o fresco perfume e o fogo sensível da unção nunca se dissipar ou enfraquecer.
  Digne-se o Espírito Santo, o divino zelador de Jesus e de Maria, conceder umanova bênção a esta obra da Inglaterra; queira ele consolar-nos dentro em breve com a canonização desse novo apóstolo e ardente missionário de sua esposa diletíssima e imaculada, e mais ainda pelo pronto despontar dessa gloriosa era da Igreja que deve ser a gloriosa era de Maria.

                                     F.W. FABER
                    Sacerdote do Oratório
No dia da apresentação de Nossa Senhora, 1862.

Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima VirgemOnde histórias criam vida. Descubra agora