ARTIGO VI
Esta devoção dá grande liberdade interior169. Sexto motivo. Esta prática de devoção dá, às pessoas que a praticam fielmente, uma grande liberdade interior, que é a liberdade dos filhos de Deus (cf. Rm 8,21). Visto que, por esta devoção, nos tornamos escravos de Jesus Cristo, consagrando-nos todo a Ele nesta condição, este bom Mestre, em recompensa do cativeiro por amor que nos submetemos, tira, primeiro, à alma todo escrúpulo e amor servil, que a constragem, escravizam e perturbam; segundo, alarga o coração por uma santa confiança em Deus, fazendo-o considerá-lo como Pai; terceiro, inspirar-lhe um amor terno e fiel.
170. Sem me deter em amontoar razões para provar esta verdade, contento-me de citar uma passagem histórica que li ma vida da Madre Inês de Jesus, religiosa jacobina do convento de Langeac em Auvergne, a qual morreu em odor de santidade nesse mesmo lugar, em 1634. Não tinha ela ainda sete anos, quando, uma ocasião, sofrendo tormentos de espírito, ouviu uma voz que lhe disse que, se ela quisesse livrar-se de todos os seus sofrimentos e ser protegida contra todos os seus inimigos, se fizesse o quanto antes escrava de Jesus e de Maria Santíssima. Mal chegou em casa, entregou-se a Jesus e Maria, como lhe aconselhara a voz, embora não soubesse antes em que consistia esta devocao; e, tendo encontrado uma corrente de ferro, cingiu com ela os rins e a usou até à morte. Depois desse ato todas as suas penas e escrúpulos cessaram, e ela se achou numa grande paz e bem-estar de coração, e isto a levou a ensinar esta devocao a muitas outras pessoas, que fizeram grandes progressos, entre outros, a M. Olier, que instituiu o seminário de São Sulpício, e a muitos outros padres e eclesiásticos do mesmo seminário... Um dia a Santíssima Virgem lhe apareceu e lhe pôs ao pescoço uma cadeia de ouro para testemunhar a alegria de tê-la como escrava de seu filho e sua; e Santa Cecília, que acompanhava a Santíssima Virgem, lhe disse: Felizes os fiéis escravos da Rainha do Céu, pois gozação da verdadeira liberdade: "Tibi servire libertas".ARTIGO VII
Nosso próximo aufere grandes bens desta devoção171. Sétimo motivo. O que pode ainda nos levar a abraçar esta devoção são os grandes bens que por ela receberá nosso próximo. Pois, praticando-a, exercemos para com ele a caridade de uma maneira eminente, já que lhe damos pelas mãos de Maria o que temos de mais caro, isto é, o valor satisfatório e impetratório de todas as nossas boas obras, sem executar o menor dos bons pensamentos e o mais leve sofrimento; consentimos em que tudo que adquirimos, e que havemos de adquirir de satisfações, seja, até à hora da morte, empregando conforme a vontade da Santíssima Virgem à conversão dos pecadores ou à libertação das almas do purgatório.
Não é isto amar perfeitamente o próximo? Não é este o verdadeiro discípulo de Jesus Cristo, que se reconhece pela caridade? (Jo 13,35). Não é este o meio de converter os pecadores, sem temer a vaidade, e de livrar as almas do purgatório, sem fazer quase nada mais do que aquilo a que cada um está obrigado em seu estado?
172. Para conhecer a excelência deste motivo, seria preciso conhecer o bem que é converter um pecador ou livrar uma alma do purgatório: bem infinito, maior que criar o céu a terra, pois que é dar a uma alma a posse de Deus. Mesmo que, por está prática, não se livrasse mais que uma alma do purgatório, ou se convertesse apenas um pecador, não seria isto bastante para induzir todo homem verdadeiramente caridoso a abraçá-la?
É preciso notar ainda que nossas boas obras, passando pelas mãos de Maria, recebem um aumento de pureza, e, por conseguinte, de mérito e de valor satisfatório; por isso elas se tornam muito mais capazes de aliviar as almas do purgatório e de converter os pecadores do que do que se não passassem pelas mãos virginais e liberais de Maria. O pouco que damos pelas Santíssima Virgem, sem vontade própria, e por uma desinteressada caridade, torna-se, em verdade, bem mais potente para abrandar a cólera de Deus e atrair sua misericórdia; e há verificar-se à hora da morte que uma pessoa fiel a esta prática terá, por este meio, libertado inúmeras almas do purgatório, e convertido muitos pecadores, conquanto só tenha feito as ações comuns e ordinários do seu estado. Que alegria haverá em seu julgamento! Que glória na eternidade!
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Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem
Spiritual"Se a devoção à Santíssima Virgem nos afastasse de Jesus Cristo, seria preciso rejeitá-la como uma ilusão do demônio. Mas é tão o contrário, como já fiz ver, está devoção só nos é necessária para encontrar Jesus Cristo, amá-lo ternamente e fielment...