Figura bíblica desta perfeita devoção:
Rebeca e Jacó183. De todas as verdades que acabo de descrever em relação à Santíssima Virgem, o Espírito Santo nos apresenta, na Sagrada Escritura (Gn 26), uma figura admirável na história de Jacó, o qual recebeu a bênção de Isaac, graças a solicitude e engenho de sua mãe Rebeca.
Ei-la tal como a conta o Espírito Santo. Em seguida ajuntarei a explicação.ARTIGO I
I. História de Jacó.
184. Esaú vendera a Jacó seu direito de primogenitura. Anos depois, Rebeca, mãe dos dois irmãos, assegurou a Jacó - que ela amava ternamente - as vantagens daquele privilégio, empregando, para isto, uma astúcia santa e cheia de mistério. Pois Isaac, sentudo-se extremamente velho, quis, antes de morrer, abençoar seus filhos, e, chamando Esaú, o preferido, ordenou-lhe que fosse caçar algo para ele comer. Depois o abençoaria. Rebeca, prontamente, pôs Jacó ao corrente do que se passava, e disse-lhe que fosse buscar dois cabritos no rebanho. Assim que ele lhos trouxe, ela os preparou do modo que Isaac mais gostava. Em seguida, com as vestes de Esaú, que ela guardava, vestiu Jacó e com as peles dos cabritos envolveu-lhe o pescoço e as mãos, a fim de que Isaac, que não podia ver, acreditasse, tateando-lhe as mãos, que fosse Esaú, embora ouvindo a voz de Jacó. Isaac, com efeito, ficou surpreso ao ouvir a voz que ele reconhecia como a de Jacó, mas, fazendo-o aproximar-se e tateando-lhe os pelos que cobriam as mãos de filho, murmurou: Em verdade a voz é de Jacó, mas as mãos são de Esaú. E, convencido, comeu. Em seguida, ao beijar Jacó sentiu a fragrância das roupas de Esaú, o que acabou por dissipar-lhe as dúvidas. Abençoou-o, então, e desejou-lhe o orvalho do céu e a fecundidade da terra; estabeleceu-o senhor de todos os seus irmãos, e terminou a bênção com estas palavras: "Aquele que te amaldiçoar seja amaldiçoado, e aquele, e aquele que te abençoar seja cumulado de bênçãos".
Apenas Isaac acabara de falar, entrou Esaú trazendo um guisado de caça que abatera, e o apresentou ao pai, pedindo-lhe que comesse e em seguida o abençoasse. O santo patriarca ficou extremamente surpreendido, ao ficar ciente do engano, mas, longe de retratar o que fizera, confirmou-o, pois reconhecia no fato, evidentemente, o dedo de Deus. Então Esaú, como observa a Sagrada Escritura, gritou com grande clamor, e, acusando em altas vozes o embuste de seu irmão, perguntou ao pai se ele não tinha outra bênção. Neste ponto, notam os Santos Padres, ele era a imagem dos que facilmente conciliam Deus com o mundo, querendo gozar ao mesmo tempo as constelações do céu e as da terra. Isaac, comovido pelos gritos de Esaú, abençoou-o, enfim, mas a bênção que lhe deu foi uma bênção terrena, sujeitando-o ao irmão. Por isso Esaú concebeu um ódio tão profundo contra Jacó que, para matá-ló, só esperava a morte do pai. E Jacó não teria podido evitar a morte, se sua extremosa mãe Rebeca não o protegesse com sua habilidade e os bons conselhos que lhe deu e que ele seguiu.II. Interpretação da história de Jacó.
185. Antes de explicar está história tão bela é preciso notar que, conforme todos os Santos Padres e intérpretes da Sagrada Escritura, Jacó é figura de Jesus Cristo e dos predestinados, enquanto Esaú é figura dos réprobos; basta, apenas, examinar a atitude de um e de outro para verificá-lo.
1) Esaú, figura dos réprobos
1) Esaú, o mais velho, era forte e robusto de corpo, destro e habilidoso no manejo do arco e na arte da caça.
2) Quase não parava em casa, e, confiante em sua força e destreza, só trabalhava fora, ao ar livre.
3) Pouco se incomodava em agradar a sua mãe Rebeca, e nada fazia por ela.
4) Era guloso e gostava tanto de satisfazer o paladar, que chegou a vender seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas.
5) Estava, como Caim, cheio de inveja de seu irmão Jacó, e o perseguia sem tréguas.
186. Eis a conduta dos réprobos, todos os dias:
1) Fiam-se em sua força e indústria nos negócios temporais; são muito fortes, muito hábeis e esclarecidos para as coisas da terra, mas extremamente fracos e ignorantes nas coisas do céu: "in terrenis fortes, in celestibus debiles".
Por isso:
187. 2) Não se demoram ou se demoram muito pouco em sua própria casa, quer dizer, no seu interior, que é a casa interior e essencial dada por Deus a cada homem para aí morrar, conforme seu exemplo, pois Deus mora sempre em sua casa. Os réprobos não amam o retiro, nem a espiritualidade, nem a devoção interior, e chamam de espíritos acanhados, carolas e selvagens aqueles que são espirituais e retirados do mundo, e que trabalham mais no interior do que fora.
188. 3) Os réprobos não se preocupam de modo algum com a devoção à Santissima Virgem, a Mãe dos predestinados. É verdade que não a odeiam formalmente, fazem-lhe às vezes um elogio, dizem que a amam, praticam até alguma devoção em sua honra, mas, de resto, não suportariam vê-la amada ternamente, porque não têm para ela as ternuras de Jacó. Acham motivo de censura nas práticas de devoção, a que se entregam os bons filhos e servos da Virgem Santíssima para obter sua afeição, na certeza de que esta devoção lhes é necessária à salvação, e acham mais que, desde que não odeiam formalmente a Santíssima Virgem, e que não desprezam abertamente sua devoção, isso é bastante e já ganharam as boas graças da Santíssima Virgem e são seus servos, ao recriarem ou resmugarem algumas orações em sua honra, sem a menor ternura por ela nem emenda para eles.
189. 4) Esses réprobos vendem seu direito de primogenitura, isto é, os gozos do paraíso, por um prato de lentilhas, os prazeres da terra. Riem, bebem, comem, divertem-se, jogam, dançam etc., sem a mínima preocupação, como Esaú, de se tornarem dignos da bênção do Pai celeste. Em três palavras, eles só pensam na terra, só amam a terra, só falam e agem pela terra e pelos prazeres terrenos, vendendo, por um instante de prazer, por uma vã fumaça de honra, e por um pedaço de matéria amarela ou branca, a graça batismal, sua veste de inocência, sua celestial herança.
190. 5) Os réprobos, finalmente, em segredo ou as claras, odeiam e perseguem diariamente os predestinados. Prejudicam-nos quanto podem, desprezam-nos, expulsam-nos, reduzem-nos a pó; enquanto eles mesmos fazem fortuna, gozam seus prazeres, vivem em situação esplêndida, enriquecem, se engrandecem e levam vida folgada.
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Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem
Spiritual"Se a devoção à Santíssima Virgem nos afastasse de Jesus Cristo, seria preciso rejeitá-la como uma ilusão do demônio. Mas é tão o contrário, como já fiz ver, está devoção só nos é necessária para encontrar Jesus Cristo, amá-lo ternamente e fielment...