Carte Blanche

20| Como se fosse certo - Parte 4

PASSOU O DIA todo preenchendo formulários e participando de interrogatórios, na maioria dos dias aqueles procedimentos não seriam tão cansativos para ela, mas naquele dia pareciam mais exaustivos, estava ansiosa para voltar logo para sua casa e tomar um longo banho. Estava até mesmo evitando seus colegas e planejando sair escondido para que não fizessem nenhum tipo de surpresa para ela. Todos sabiam que aquele dia era seu aniversário, mas evitavam tocar no assunto e até parabenizá-la depois que declarou que odiava aquela data, todos os anos ignorava aquele dia e o vivia como se fosse qualquer outro dia comum.

Aproveitou que tudo tinha acabado e os outros agentes estavam distraídos o suficiente e se esgueirou rapidamente para o elevador, partindo rapidamente da agência. Já havia anoitecido e o corpo já cobrava o dia agitado, se sentia cansada e ansiosa para chegar rapidamente em seu apartamento e tomar um banho quente, considerou até não voltar até o galpão e ignorar o pedido de Dorian, mas se sentia mal em deixá-lo esperando. De qualquer forma, talvez não demorasse tanto, ele não era conhecido por ficar acordado até tarde. As vezes Melina se questionava se Dorian realmente possuía trinta e dois anos, parecia mais um idoso que às oito da noite já estava dormindo.

Quando chegou ao galpão não bateu na porta, apenas a abriu, se deparando, pela segunda vez naquela semana, com Dorian sem as roupas habituais. Daquela vez ele estava sem camisa, deixando todos os gomos do abdômen à mostra, enquanto a calça escura estava manchada de tinta. Ele estava de pé, em frente ao cavalete, pintando algo na moldura de um quadro, quando a viu parada, o observando, deixou os materiais de lado e abriu um sorriso, limpando as mãos em um pano que estava ao lado.

- Pensei que tivesse desistido. - Disse.

Melina piscou aturdida, recobrando a consciência e fechou a porta se aproximando.

- Na verdade, considerei ir direto para casa, mas não queria deixá-lo esperando.

Dorian abriu um novo sorriso e vestiu a camiseta cobrindo o torso nu e caminhou em direção à cozinha, tirando uma travessa de dentro do forno e a colocando em cima do balcão.

- Bom, fico feliz que tenha vindo. Eu guardei no forno para manter aquecido.

- Me chamou apenas para comer?

- Eu soube que era seu prato preferido, e como eu tinha alguns ingredientes eu acabei fazendo.

- Dorian, não precisava. - Respondeu ela, um pouco incomodada.

- Como não? Eu não poderia fazer tudo isso e comer sozinho, é muita coisa, preciso repartir com alguém.

Ainda receosa, Melina se aproximou lentamente. Pensava que talvez ele tivesse feito aquilo por seu aniversário, mas Dorian sequer fizera qualquer menção, então se contentou com a ideia de que talvez ele realmente só quisesse uma companhia. A maioria dos dias dele eram solitários e no fundo Melina entendia o quão ruim era ser sozinho. Se acomodando no banco alto em frente ao balcão de mármore, ela aceitou o prato que ele lhe ofereceu e a taça que ele colocou ao lado.

Ela logo começou a se servir quando ele lhe estendeu uma grande colher. O estômago roncou só de sentir o cheiro da paella, Dorian tinha toda razão quando disse que aquele era o prato favorito dela. Até aquele momento, ela sequer tinha percebido que estava com fome até aquele momento. Não deixou de se surpreender quando Dorian colocou uma garrafa à sua frente e lhe ofertou um sorriso matreiro.

- Uma boa paella deve ser acompanhada de vinho branco. - Disse.

- Onde conseguiu isso?

- Eu comprei.

- Mas... você não bebe. - Respondeu ela, confusa.

- Comprei para você.

Um silêncio se estabeleceu no lugar, Melina não queria se sentir incomodada com aquilo, mas saber que Dorian havia comprado uma garrafa inteira de vinho branco só para ela, a deixava com um nó estranho na garganta. Principalmente porque ele sequer chegava perto de qualquer tipo de bebida alcóolica. Ele estava disposto a enfrentar aquilo só por ela. E era estranho receber aquele tipo de atenção dele.