40| O que vem com as lembranças - Parte 3

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QUARENTA E OITO  horas haviam se passado desde que Dorian entrara no hospital. E em todo aquele tempo, tudo o que Helena mais desejava, era ver alguma reação vir dele. Não esperava que ele abrisse os olhos, se sentasse na cama e conversasse com ela, fazendo piadas sobre seu estado, mas queria que ao menos ele tivesse alguma melhora. A falta de resposta dele ao tratamento preocupava a médica, ela podia ver claramente em suas feições, mas por algum motivo, Jane não lhe dizia nada, apenas a mesma resposta de sempre. Ele estava estável.

Naquela noite, depois de deixar Lívia na casa de Caíque, e prometer levá-la para visitar Dorian depois da adolescente praticamente implorar aos prantos, Helena mais uma vez se encaminhou para o hospital. Não conseguiria ficar longe de Dorian, sentia a necessidade de estar perto dele, de observar seu sono, de ler o livro favorito dele, mesmo que ele não a escutasse.

Talvez, aquela atitude servisse para consolar a si mesma, admitia.

Quando a madrugada começava a adentrar, se sentou na poltrona ao lado da cama e o observava atentamente. Correu os dedos pelos cabelos de Dorian, os ajeitando no lugar, mas logo os fios escaparam e novamente caíram sobre a testa. Helena não pôde evitar abrir um sorriso nostálgico, os cabelos do irmão sempre foram muito rebeldes, assim como ele. Mas revelavam toda sua personalidade.

Lembrava-se de que na adolescência de Dorian vivia dizendo a ele para cortar o cabelo, mas o garoto insistia em mantê-los caindo sobre os olhos. Naquela época Helena não entendia o irmão, e somente depois de adulta passou a compreender que de certa forma, ele usava os cabelos para se esconder. Dorian quase nunca encarava as pessoas no rosto e se recusava a olhar nos olhos, talvez fosse para evitar o espanto das pessoas ao se depararem como a heterocromia, ou talvez ele só se sentisse incomodado.

Ainda o encarando, adormecido, Helena se lembrou de quando ele tinha seus dezesseis anos e ela precisou ir até o colégio interno para dar a fatídica notícia de que sua mãe havia partido. Ela esperava qualquer reação vir dele, menos aquela frieza que demonstrou.

Lembrava-se de esperar numa sala repleta de móveis antigos, os sofás de couro marrom combinavam perfeitamente com a escrivaninha antiga e as janelas enormes, que revelavam a vista do enorme jardim ao redor do colégio. Os minutos que esperou por Dorian ali pareceram uma eternidade até a porta dupla ser aberta e um garoto, alto demais para sua idade, passar por ela a fechando atrás de si.

Helena rapidamente foi de encontro ao irmão, mas se deteve quando o viu dar alguns passos para trás e manter a cabeça baixa. Naquele momento, ela estava em dúvida, se já haviam contado a ele, mas não pôde ter certeza, os cabelos negros e densos dele, cobriam todo o semblante, a franja estava tão grande que tampava até mesmo os olhos.

Receosamente, ela se aproximou, notando que daquela vez ele não recuara, e lentamente levou a mão até o rosto dele, o fazendo erguer o olhar para encará-la. Só então ela notou como o rosto dele estava machucado, um dos olhos adquiria uma coloração arroxeada ao seu redor, enquanto a ponte do nariz, o canto da boca e a testa estavam esfolados e avermelhados.

— Dorian! O que aconteceu? – Exclamou ela, assustada com o estado do mais novo.

Rapidamente ele se desvencilhou dela, e passou direto, indo em direção à janela.

— Não foi nada. – Respondeu suscintamente, enfiando as mãos nos bolsos da calça.

Helena mais uma vez diminuiu a distância entre eles e o fez se virar até ficar de frente para si, esbravejando:

— Como não foi nada? Olha só para esse rosto! Quem fez isso com você?

— Eu já disse não foi nada. Aliás, já deveria saber. É por isso que está aqui, não é mesmo?

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