05. Espectro de cores, olhos de águia e o ódio estampado entre os dois.

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Diga que me odeia
Mas diga que não vive sem mim
Eu sou uma praga
Maria-sem-vergonha do seu jardim.

Bem me quer; Rita Lee.


***

Talvez sextas-feiras fossem o meu dia de má sorte.

O pensamento veio à mente, sorrateiro e sugestivo, enquanto Mabel caminhava pelos corredores gradativamente vazios da faculdade. Cansada, voltava de aulas intensas e horas a fio que dedicou na biblioteca, enquanto estudava as matérias da última semana. O céu já estava escuro, rabiscos iluminados de estrelas pairando no ar como uma pintura, e Mabel deveria saber que seus olhos cansados eram consequências cruéis de uma noite mal dormida e, de bônus, a cabeça latejando pelo período da manhã.

Antes mesmo de sair da cama, teve um mau pressentimento.

E isso se tornou real quando, surpreendentemente, se atrasou para a primeira aula. Esqueceu um dos livros no dormitório e derramou achocolatado por toda a página rabiscada de informações triviais sobre a matéria. Fora os outros acontecimentos que Mabel não tinha nem cabeça para pensar.

E mesmo que o dia tenha passado de forma confusa, quase como um piscar de olhos, e uma série de acontecimentos desastrosos tivessem a perseguido como uma pedra no sapato, isso não impediu que sua cabeça ficasse repetindo as palavras de Samantha como um loop tortuoso.

As palavras rodopiavam como névoa, e toda vez que Mabel se lembrava, a raiva explodia por todo o seu peito.

Ele sabia.

Devia saber há tanto tempo que os dois estavam juntos que ela não gostava nem de pensar. Deveria zombar de si todas as vezes que a via, rindo de como ela era burra e ingênua. E ainda veio com aquele papinho furado no banheiro do camarim.

Deve ser coisa de família, Mabel pensou, visto que todos os Cooper 's que apareciam na sua vida eram como tornados catastróficos que só trazem confusão.

Por isso, Mabel estava seguindo sem falhas seu plano de ignorá-lo. Não queria ver o loiro nem pintado de ouro, e Mabel achava que ele havia percebido. Ela evitava os lugares que sabia que ele estava, fingia que não o via quando ele passava por perto e, quando ele tentou falar com ela naquele dia de manhã, Mabel o deixou falando sozinho.

Assim como havia feito quando, na terça-feira – onde tinham aulas juntos – Mabel o ignorou mais do que considerado comum.

Oliver já estava lá quando ela chegou, sentado na terceira fileira e digitando algo no celular. Quando Mabel entrou, ele a viu e abriu a boca para fazer algum comentário importuno e engraçadinho, mas Mabel passou por ele como se Oliver nem existisse. Como se ele fosse invisível, tão insignificante quanto um grão de areia ou uma partícula de poeira.

Oliver pareceu ter perdido a fala. Seus olhos a seguiam, confusos, e os indícios do seu rosto murcharam sutilmente.

E pela primeira vez, Mabel sentou no fundo da sala, lá no cantinho escuro onde mal conseguia ser vista. Ela se absteve de interagir com a aula, somente fazendo anotações e, felizmente, não houve debates.

E enquanto a jovem ainda caminhava em passos cansados pelo corredor do dormitório feminino, seis e meia pairando no relógio, Mabel ainda não fazia ideia de como lidaria com toda aquela bagunça. Porque tudo parece muito complicado, entrelaçado de forma universal e, para piorar, ela não comia nada desde uma da tarde.

Quando Mabel abriu a porta branca do dormitório – de número dezenove preso na textura de madeira – a primeira coisa que seus olhos capturaram foi o rosto de Samantha refletivo do espelho, enquanto ela passava camadas de rímel pela extensão dos cílios. Mabel permaneceu alguns segundos parada na porta, as mãos ainda adornando a maçaneta, antes de fechar o objeto atrás de si e começar a tirar os tênis.

Entre competições e acordes de guitarraOnde histórias criam vida. Descubra agora