Capítulo 10

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Gustavo desceu sozinho, abriu a garrafa de vinho com um saca-rolha improvisado e pegou uma taça. Pensou melhor, voltou e pegou a segunda taça. Caminhou até a parte externa da casa. A luz da lua batia na água da piscina e refletia na varanda, fazendo com que ela ficasse azulada. Gustavo aproximou a taça de seu nariz, inspirou fundo o aroma do vinho. Sacudiu a taça, fazendo com que a bebida girasse dentro dela. Deu um pequeno gole, suficiente apenas para umedecer sua boca e sentir o gosto forte e seco do vinho. Fechou os olhos, saboreando o paladar da bebida. Recostou-se na cadeira, sereno. Ouviu passos atrás de si. Girou o pescoço rapidamente, conseguindo ver no mesmo alinhamento de seus olhos o quadril de Maiara. Subiu o olhar até visualizar o rosto dela. Maiara estendeu a ele uma taça vazia, séria.

- Eu já peguei uma taça para você. – diz ele, tentando conter um sorriso.

- Baseado em quê? Eu nem confirmei para você que viria... – ela usa um tom ríspido.

Gustavo abre um largo sorriso.

- Você é muito previsível, minha querida. – Maiara bufa.

- Já vai começar? Se for, estou indo embora! – fala firmemente.

- Não, já terminei. Eu dei minha palavra que me comportaria... – ele pisca pra ela, que não acha graça alguma e se vira, ignorando-o. Maiara senta em uma cadeira, do lado de lá da porta de acesso da varanda. Ficam lado a lado, porém, ligeiramente distantes. Em silêncio, sorvem seus goles de vinho observando a paisagem noturna serrana. Maiara sente um sutil nervosismo. Nunca esteve sozinha com ele em paz, sem que estivessem discutindo ininterruptamente. O vácuo era tamanho que quase era possível ouvir as respirações um do outro. Gustavo o interrompeu.

- Essa paisagem é inspiradora. Mas acho que seria ainda mais se tivessem vizinhos. Esse isolamento me incomoda um pouco. – Ele olhou para ela, que continuou imóvel e muda. – Não sei se é porque sou paulistano, lá é impossível estar em um lugar assim, tudo é muito agitado sempre. Você é do Rio de Janeiro mesmo? – olha novamente para ela, esperando a resposta.

- Não. Nasci no mato grosso.

- Já tinha vindo a Petrópolis antes?

- Sim. Mas nunca em um lugar como esse. E nem sozinha com um... – ela hesitou.

- Um o que? – ele disse em tom suave, olhando para ela.

- Um... um desconhecido.

Gustavo calou-se. Eram mesmo completos desconhecidos um para o outro. Era estranho, sentia-se completamente familiarizado com ela por trabalharem juntos há tanto tempo, mas realmente não sabia absolutamente nada da vida dela. Não sabia de seu passado, de sua história e nem como ela era quando estava fora do ambiente de trabalho. Ficou curioso pensando nisso. Sentiu vontade de conhecê-la melhor.

- Acha que somos realmente inimigos? – disse, sem olhar pra ela.

- Pra mim, não. Inimigo é alguém que você odeia. E eu não odeio você.

Surpreso, ele questionou:

- Não?

- Não. Eu só não... te suporto. – Gustavo riu. – É diferente. Eu não desejo seu mal. Mas, não podemos dizer o mesmo de você né... – ela concluiu, se lembrando das tantas vezes que ele a colocou em uma situação limite no trabalho. Seu semblante ficou sério, se lembrando da raiva que sentiu dele naquelas ocasiões. Tomou um longo gole do vinho, olhando fixamente para a piscina.

- Ao contrário do que você pensa, eu também não desejo seu mal. É que eu desejo muito o meu bem e algumas vezes, o seu mal e o meu bem se cruzam e aí eu acabo tendo que escolher entre um ou outro. O mundo é assim, Maiara. É um eterno salve-se quem puder. Se você pensa mais nos outros do que em si mesmo, você toma uma rasteira e nem sempre você consegue se reerguer. Aprendi isso à duras penas e é por isso que agora eu busco incessantemente os meus objetivos, porque eu sei que nesse mundo eu caminho sozinho.

- Eu não concordo com você. Já conquistei muitas e muitas coisas na minha vida e nenhuma delas foi às custas de ninguém. O sucesso pra mim não teria o mesmo gosto se eu tivesse que prejudicar alguém para consegui-lo. Se todas as pessoas do mundo pensassem como você, entraríamos em um colapso. A vida é entrega, é respeito e generosidade. Você consegue ir muito mais longe quando tem orgulho de dizer que chegou até lá por próprio mérito, mesmo que demore mais. Eu também caminho sozinha e não me importo. Eu sou suficientemente competente para realizar tudo o que almejo por mim mesma.

Gustavo se calou. Perdeu os argumentos, mas se manteve firme em sua posição. Mas pensou muito no que Maiara disse. Ela tinha muita força e uma enorme clareza de ideias no que se tratava de sua visão de mundo. Isso o surpreendeu um pouco. Era uma característica da personalidade dela que ele desconhecia.

- Como está seu artigo? – ele perguntou sem pensar.

- O que quer saber, especificamente?

- Ah, se você está satisfeita com ele, se acha que vai conseguir suprir as expectativas da Lúcia...

- Claro que eu estou satisfeita com ele, eu estou fazendo o melhor que posso. Não sei o que a Lúcia vai achar, eu não sei exatamente o que ela está esperando, mas se o melhor de mim não for suficiente a ela, então é porque também não sou suficiente para o cargo.

- E você aceita isso assim, tranquilamente? Não é algo que você queira mais do que tudo?

- É o que eu mais quero na minha vida nesse momento, Gustavo, mas veja bem, eu não posso controlar as pessoas, eu não posso ter tudo o que quero sempre. Eu já vejo como uma grande vitória eu ter a oportunidade de concorrer a um cargo como esse. Eu aceitei todas as condições para isso, eu estou aqui não estou? Está sendo um esforço imenso para mim, eu estou trabalhando duramente no meu artigo, mais do que isso eu não posso fazer. Só podemos lutar com as armas que temos, Gustavo. Eu não posso sabotar seu computador para que você perca todo o seu trabalho e eu vença invicta. Não é justo com você, não é justo com a Lúcia que é digna da chance de aplicar a nós os critérios dela e não é justo comigo que mereço uma avaliação imparcial. A mim então, resta cumprir adequadamente com o que me foi solicitado e torcer para que seja o que ela está esperando de mim. Isso não é ser passiva, isso não é ser conformada, isso é ser ética e ter profissionalismo. – Ela toma o último gole de vinho, abandona a taça no canto da parede, se levanta e caminha até a porta. Gira o corpo para trás, olhando para ele. – Tenha uma boa noite de sono Gustavo, obrigada pelo convite para esse vinho. E obrigada por ter cumprido com sua promessa. – E foi embora.

Gustavo ficou sentado exatamente na mesma posição, perplexo. Não conseguiu explicar nem a si mesmo o que nela o deixou tão mexido. Mas nunca havia trocado mais do que duas frases com ela e naquela noite, ele pôde enxergar mais a fundo a verdadeira pessoa que ela era. Muito diferente dele, por sinal, mas muito sincera e absurdamente coerente. Aquela conversa daquela noite o deixou instigado. Mas o deixou otimista. Aquele cargo seria seu, não tinha dúvidas. Ela com toda essa benevolência que lhe era peculiar, jamais conseguiria superar o fabuloso artigo que ele estava redigindo. Decidiu ficar um pouco mais na varanda, refletindo sobre o que acabara de ouvir. A noite estava fria, mas não ofereceu nenhum desconforto a Gustavo. De olhos abertos, olhando para o céu, ele sentiu seu coração bater levemente acelerado. O motivo, ainda desconhecia. Mas por pouco tempo.

A aposta -  Adaptação maiotoOnde histórias criam vida. Descubra agora