Capítulo 26

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Maiara entrou em casa ventando. Jogou a bolsa no sofá e correu pra cama. Abafou o choro com o travesseiro. Não sabia definir exatamente o que a entristecia mais, se era a decepção que Gustavo a fez sentir, se era raiva pela exposição excessiva e forçada ou se era o ódio de Alice ter se intrometido na vida dela ao ponto de fazer fofoca pra chefe sobre uma desconfiança dela. Era sua melhor amiga. Jamais a perdoaria. Era desanimador estar rodeada de traíras em seu local de trabalho. Mas decidiu que nada, nunca, a faria desistir do sonho de ser uma jornalista renomada. Torceu fortemente pra conquistar o cargo. Precisava dele pra ter sua autoestima reerguida. Fechou os olhos, respirou fundo e tentou se acalmar. Estava exausta, fisicamente e emocionalmente. Tomou um banho quente e foi direto pra cama, sem comer. Estava sem fome e totalmente sem vontade de cozinhar quaisquer coisa. Mais calma, se deitou e tentou descansar. Nada como um dia após o outro. Tinha fé que amanheceria melhor e mais bem disposta. Apagou lentamente e caiu em um sono renovador.

***

O telefone despertou sete da manhã. Maiara esfregou os olhos. Mal acreditava que precisaria mesmo levantar da cama. Remexeu várias vezes. Abriu os olhos e olhou pro lado. Lembrou-se dele. Quase conseguia visualizá-lo ao lado dela, com aquele corpo estonteante totalmente nu, gargalhando de alguma piadinha dela. Maiara sacudiu a cabeça e tacou o travesseiro que ele sempre se deitava na cadeira decorativa, ao lado da cama dela. Aquelas visões seriam só o que restaria de Gustavo na vida dela. Nada mais.

Ela se arrumou, como sempre. Não caprichou nem negligenciou sua produção. Queria agir com a maior naturalidade possível. Criaria uma carcaça implacável, na qual as pessoas olhassem e não notassem nenhum comportamento atípico. Vestiu um vestido cinza escuro, meio chumbo. Soltou os cabelos, passou uma maquiagem leve e calçou sapatos de salto alto. Se olhou no espelho como sempre fazia. Estava um pouco abatida, mas continuava linda e deslumbrante. Suas pernas e quadril ficaram realçados com o vestido justo, mas nada vulgar. Estava sem apetite, fez um rápido café na cafeteira. Ao abrir o armário em busca de um copo, encontrou o copo do capuccino que Gustavo levou pra ela naquela manhã, há dias atrás. Ela guardou o copo porque achou-o muito prático pra quando precisasse levar lanche para o trabalho. Mas naquele momento, sentiu tanta raiva que o atirou na lixeira. Deu uma golada certeira no café, pegou sua bolsa e desceu.

Entrou na redação. Não quis olhar para os lados. Disse um "bom dia" coletivo. Notou que Gustavo não estava na mesa dele. Ficou curiosa, mas não faria nada pra descobrir o paradeiro dele. Não demorou muitos minutos até que ele apontasse no corredor, vindo da cozinha com uma xícara de café mão. Cruzaram seus olhares. Ele estava abatido, sereno e com os olhos tristonhos. Maiara desviou o olhar pra tela de seu computador. Gustavo continuou andando, sentando em sua mesa. De costas pra ele, Maiara fechou os olhos. Aguentaria firme sem fraquejar. Não podia deixar a presença dele desestruturá-la. Não mais. Respirou fundo e prosseguiu com o que estava fazendo. Não viu Alice por lá, ao longo do dia ouviu alguém dizer que ela estava trabalhando em uma entrevista. E ela agradeceu mentalmente. "Um dia de cada vez, Maiara. Um dia de cada vez..."

***

E mais um dia se passou. A rotina não mudou muito. Maiara desceu pra almoçar sozinha. Torceu pra que ninguém a incomodasse. Valorizava absurdamente seus momentos consigo mesma para pensar na sua vida. E naquele dia, precisava disso mais que tudo. Retornou do intervalo. Pegou seu celular pra conferir se não tinha nenhuma chamada perdida. Viu no visor uma mensagem que a fez estremecer, sentindo um frio imenso no estômago.



Bom dia.

Muito provavelmente, quando você estiver lendo essa mensagem, eu vou estar me remoendo de arrependimento por tê-la enviado. Eu não quero te incomodar, me humilhando ao implorar que você ouça os meus argumentos. Na realidade, eu nem os tenho. Nada do que eu disser, vai justificar a interpretação que você teve ao tomar conhecimento do que constava no meu artigo. Com algum esforço, eu consigo entender o motivo de isso ter te causado tanto impacto. Tento me colocar no seu lugar e consigo imaginar o porquê ficou tão magoada. Como, então, não consigo justificar, infelizmente, também não posso voltar no tempo e retirar todos os percalços do nosso caminho. Mas é muito importante pra mim que você saiba que esses dois últimos dias têm sido os piores da minha vida. Sim, piores até mesmo do que quando levei uma demissão e um chifre no mesmo dia. Porque, naquela ocasião, eu tinha minha consciência tranquila de que agi da melhor maneira que eu poderia ter agido. O erro não foi meu. Mas dessa vez, com você, têm sido muito diferente. Me arrependo cada vez que penso que a culpa foi minha por ter acabado com a nossa história, mesmo sem ser intencional. Sinto sua falta todos os dias, a cada segundo do meu dia. Você me salvou de todas as formas que um homem pode ser salvo. Me transformou em uma pessoa muito mais evoluída e muito melhor do que eu era. Mesmo que você nunca mais me perdoe, eu gostaria muito que você soubesse que em nenhum momento, nem por um minuto, eu desejei magoar você. Se eu errei, foi tentando desesperadamente acertar com você e por você. Obrigado por ter entrado na minha vida. Me desculpe por eu ter te deixado sair dela, dessa forma.

A aposta -  Adaptação maiotoOnde histórias criam vida. Descubra agora