Ânsia Pelo Desgosto

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O sangue parecia a muito tempo já ter abandonado a circulação das pontas de seus dedos, a dormência e a frieza consumindo suas mãos seguiam percorrendo seus braços de maneira a arranca-la do que em algum momento poderia ser considerado uma boa noite de sono. Os olhos, ao mesmo tempo que se abriam devagar adaptando-se a claridade do quarto, buscavam pela explicação do que trazia o desconforto tão aconchegante em seus punhos.

A monocromia rosada carregada pela longa e estreita faixa de lã a mantinha presa junto a cama. Lembrava-se que esse cachecol pertencia a Enid, mas as recordações do mesmo sendo usado para envolver suas articulações, não existia em sua memória.

Um percutir impaciente vinha da mesa de cabeceira ao seu lado. Mãozinha mantinha sua atenção voltada para a Addams que ainda recobrava sua consciência e tentava ligar os pontos que faltavam para solucionar o mistério de como iniciara o seu dia amarrada pela suavidade daquela lã.

- Vai ajudar a me desprender? Ou ficará apenas olhando?

Wednesday conservava seu tom de voz padronizado e invariável como era de costume, mas mantinha ao fundo de seu olhar, um reluzir discreto de zombaria percebendo que Mãozinha não a ajudaria na fuga.

Por mais que sentia em seu amago a presença do que comparava-se a um bom humor, não se permitiu da delicadeza para se livrar do que a imobilizava. Com certa facilidade, já tinha sua liberdade de volta ao mesmo tempo que tentava convencer-se que não precisaria se desculpar por ter desatado diversos pontos de crochê que tão cuidadosamente formavam o cachecol.

Contemplando seu arredor, não saberia dizer o quanto havia dormido, o céu nublado escondia as verdadeiras intenções do tempo naquele momento, ou talvez fosse a indisposição que dominava seus ossos que não permitiam com que pudesse distinguir o que seria um início de uma manhã ou um fim de tarde. Desprendendo-se das contradições climáticas, percebera ao chão um pequeno recipiente vazio. Assim que teve o pequeno vidro em suas mãos, pode constatar ser um dos diversos compartimentos que Eugene utilizava para armazenar o mel, e como em um tsunami, suas memorias foram inundadas em uma retrospectiva da noite anterior.

- Mãozinha? Onde estão todas os documentos que levei comigo?

Seguindo as indicações de seu amigo, vai até junto sua máquina de escrever. Estava tudo ali. Os livros que usava em suas pesquisas, suas anotações, a página em branco que jurava conter um dos mais terríveis segredos, e junto a tudo que podia ser considerado de mais importante estava o singelo desenho de Sinclair, que agora continha duas assinaturas.

Os olhos escuros de Addams poderia saltar de seu crânio com a incredulidade que barrava seu cérebro de processar sua conduta repugnantemente romântica que teve ao ser dominada pelos efeitos alucinógenos. Sabia que nunca poderia ser tão verdadeira com seus sentimentos se não estivesse sob algum efeito externo para que a sinceridade transbordasse de seus lábios de um modo tão sórdido que não tinha certeza de como voltaria a encarar os olhos azuis de sua colega de quarto.

Os mesmos olhos azuis os quais agora encaravam o teto de outro dormitório não tão distante do seu.

- Então o garoto das abelhas drogou a Addams? – Yoko pergunta incrédula assim que ouviu toda a história da noite passada, tão concentrada como uma criança ao ouvir contos para dormir.

- Não – Enid segurava o riso, aninhando-se nos lençóis da vampira dando mais conforto para edificar os últimos fatos curiosos que preenchiam sua memória – Está claro que Eugene nunca imaginaria alguém comendo aquelas "iguarias", mas agora não sei o que fazer. Devo agir como se nada acontecera? Tratar tudo que ela me disse com naturalidade?

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⏰ Última atualização: Feb 25, 2023 ⏰

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