Capítulo 1

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Num universo onde a vida parece uma grande piada, eu, Heaven, sempre achei que tinha as respostas para todas as perguntas. Afinal, quando criança, quem precisa de dúvidas quando temos a certeza do futuro? O que você quer ser quando crescer? Fácil, eu tinha a resposta na ponta da língua, assim como sabia com quantos anos daria meu primeiro beijo e quantos filhos teria, cada um com um nome escolhido a dedo. Ah, santa inocência, a grande verdade é que não sabemos de nada!

Embora completar meus 18 anos não tenha sido como acordar de um sonho cor-de-rosa no orfanato, me vi mais perdida do que havia imaginado. Agora, estou na pensão da Dona Maria, um lugar que o orfanato indicou, onde o aluguel é temporariamente gratuito. Mas o relógio está correndo: tenho até o final do mês para arrumar um emprego e começar a pagar, ou serei lançada à deriva na maré da incerteza.

Como se em algum momento da minha vida eu tivesse tido sorte. Nunca tive altos e baixos; sempre estive no baixo, no fundo do poço. Se há uma palavra que desconheço, é a palavra sorte. Chame do que quiser, mas ela nunca esteve ao meu lado. E se tem uma coisa que aprendi ao me tornar órfã aos dez anos, é que nesta vida sou eu por mim mesma. Não tenho sonhos, não tenho ambições. Como eu poderia? Sozinha no mundo, criada em um orfanato, sem família, sem dinheiro... como ousaria sonhar com algo?

Tenho plena noção de quem eu sou e de quem nunca serei. Não tenho grandes planos, apenas pretendo viver até que eu veja a luz branca e o grande ceifador venha me buscar.

A tristeza e a angústia me acompanham como sombras fiéis. Todos os dias acordo com um peso no peito, uma sensação de vazio que parece nunca se dissipar. É como se a vida tivesse decidido que eu deveria ser uma espectadora passiva, assistindo os outros viverem enquanto eu mal consigo sobreviver. A cada amanhecer, o desespero sussurra em meus ouvidos, lembrando-me de que não há espaço para sonhos ou esperanças aqui, apenas a dura realidade de que estou sozinha, sempre estive e, provavelmente, sempre estarei.

Tudo o que pretendo é trancar meu coração para sempre, protegendo-o das decepções e perdas que sei que virão. A vida é uma sucessão de despedidas, e estou exausta de dizer adeus. Cada despedida é uma faca que penetra mais fundo, rasgando as poucas fibras de esperança que me restam. A única constante é a certeza de que a felicidade é algo reservado para os outros, não para mim. Enquanto espero que o tempo passe, só me resta tentar não afundar completamente na escuridão que ameaça me engolir a cada dia.

Não pretendo me apaixonar, não pretendo ter família, não pretendo abrir meu coração tão calejado de sofrimento para mais sofrimento. O "para sempre" não existe; é apenas uma frase boba criada para pessoas ainda mais bobas, pois no final, sempre perdemos quem amamos. Ou você perde para a morte, ou você perde para a vida.

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Uma semana já se passou, e minhas tentativas de encontrar um emprego foram mais frustrantes do que uma piada sem graça. De escritórios a supermercados, todos parecem estar na mesma página: "Precisamos de alguém com experiência", dizem, como se fosse tão fácil assim para uma novata. Estou desesperada, à beira de cogitar a venda de um rim no mercado negro. Afinal, quem precisa de dois rins para viver, certo?

Após mais um dia inteiro perambulando na busca por emprego, retorno à pensão exausta e desanimada. Enquanto subo as escadas, uma visão surge diante de mim: uma garota sorridente, com longos cabelos loiros como um raio de sol em meio à minha escuridão.

— Olá, você é a Heaven, não é? — ela me cumprimenta com simpatia.

— Oi, sou sim. E você é...? — respondo, me sentindo um pouco envergonhada.

— Cristiana, mas pode me chamar de Cris. Sou sua vizinha de porta, e soube pela dona Maria que você está procurando emprego e ainda não teve sorte.

— Muito prazer, Cris. Estou sim procurando emprego, e confesso que estou à beira de um ataque de nervos. — Sorrio para ela, sentindo um alívio momentâneo.

— Desculpa me intrometer, mas meu patrão vai fazer uma seleção amanhã às 8h. Pensei que talvez você quisesse se candidatar...

— Claro, muito obrigada! Você não sabe o quanto me ajudou. — Dou um sorriso sincero para ela.

— Mas você nem sabe para que é a vaga — Cris diz.

— Olha, na minha situação você poderia me falar que é para matador de aluguel que eu aceitaria. — Cris arregala os olhos, e trato logo de desmentir: — Desculpa, é só uma brincadeira de muito mau gosto, eu e a minha boca grande. — Levo as mãos aos lábios. — Então me diga, para que seria a vaga?

— A vaga é para limpeza. Você ficará responsável por toda a limpeza da casa do segundo andar, e eu sou responsável pela limpeza do primeiro andar.

— Mas é claro que eu aceito! — digo muito animada. Após combinarmos de nos encontrar na entrada da pensão às 7h30, subo para o meu quarto, ansiosa por pegar minhas coisas e enfrentar a grande fila para tomar banho.

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No dia seguinte, após me virar de um lado para o outro à noite toda, decido levantar da cama às 6h, determinada a dar o meu melhor. Tomo um banho rápido, visto minha melhor roupa — uma calça jeans surrada, uma camiseta preta simples e meu velho par de Converse falsificado. Sem ter maquiagem ou acessórios para dar um toque especial, estou pronta para enfrentar o mundo. Desço para a recepção às 7h, onde Cris aparece pontualmente às 7h30.

— Bom dia, Heaven. Está esperando há muito tempo? — ela pergunta, com um sorriso animador.

— Bom dia, Cris. Estava tão animada que nem consegui dormir direito. — minto, tentando disfarçar minha agitação, pois não durmo direito há muito tempo.

— Olha, tenho que lhe adiantar que o senhor Caio pode ser um pouco exigente e tende a ser muito sério, mas não se apavore. No fundo, ele tem um bom coração, mesmo que tente esconder.

— Tudo bem, muito obrigada. Eu não sei como lhe agradecer. Mesmo que eu não consiga o emprego, muito obrigada. – digo, com sinceridade, sentindo uma pontinha de esperança pela primeira vez em muito tempo.

— Apenas consiga esse emprego – ela responde, e percebo que acabei de ganhar uma grande amiga.

Chegamos à mansão do tal senhor Caio, e eu fico maravilhada com a grandiosidade do lugar. Seguimos até uma porta após um longo corredor, onde Cris bate e uma voz grave autoriza nossa entrada.

— Pode entrar – ele responde com uma imponência na voz que me faz tremer.

— Senhor Caio, trouxe uma amiga para a entrevista. O nome dela é Heaven.

— Heaven? Seu nome é Paraíso? Sério? – Ouço em sua voz a curiosidade pelo meu nome.

— Sim, senhor. Posso mandá-la entrar? – Cris pergunta, com um tom hesitante.

— Sim, claro. - ele responde, e sinto uma pontada de nervosismo enquanto entro na sala.

A porta se fecha atrás de mim, e respiro fundo, rezando para que tudo dê certo. Esta é minha última esperança. Caminho lentamente em direção à mesa dele, olhando para meus pés. Quando me aproximo, uma voz rouca e surpresa interrompe meus pensamentos.

— Porra, você é mesmo o paraíso! - exclama o Senhor Caio, com uma mistura de surpresa e admiração que me deixa sem palavras.

Com um sorriso nervoso, percebo que talvez a vida tenha um senso de humor depois de tudo.

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