Capítulo 6

55 11 140
                                    

Hoje faz exatamente cinco dias desde que o Senhor Caio me mandou ficar invisível em sua casa, mas quem se tornou invisível foi ele. Quando eu chego, ele já saiu, e só retorna quando eu parto. A casa grande e silenciosa parece ainda mais vazia sem a presença dele, quase como se as paredes sussurrassem a sua ausência. Cada corredor ecoa uma saudade velada, como se os móveis, as cortinas e até o relógio de pêndulo parassem para ouvir o silêncio. Os dias vêm sendo tranquilos e monótonos. Cada passo meu reverbera em solidão, uma rotina que me envolve como um cobertor de tédio. Todos os dias, acordo, venho para o trabalho, à noite, retorno para a pensão, tomo banho, às vezes como alguma coisa e então vou para a cama, enfrentar mais uma das minhas batalhas noturnas contra meus próprios pensamentos.

É uma rotina à qual já me acostumei, mas não pretendo ficar nela por muito tempo. Assim que conseguir guardar um bom dinheiro, procurarei outro emprego.  Ele está certo, e esse é o grande motivo pelo qual preciso sair logo daqui. Não podemos ficar perto. Há algo nele que mexe muito comigo, uma tempestade silenciosa que se forma no meu peito sempre que o vejo. Se continuarmos nos esbarrando, não sei até quando conseguiremos nos controlar. E isso não pode acontecer, de jeito nenhum. Por mais tentador que seja, eu conheço a dor de perder quem se ama. Já tenho muitos fantasmas e não pretendo adicionar mais um à minha coleção.

Enquanto estou finalizando o dia, sinto novamente uma grande fisgada na cabeça e a bile subir. Desde a nossa conversa naquele dia, não venho me sentindo bem: dores de cabeça, enjoos, até mesmo falta de ar. É como se cada palavra dita naquele encontro tivesse deixado um eco doloroso em meu corpo. Mas hoje, além disso tudo, também estou sentindo tremores e dor no corpo todo; provavelmente estou com febre. Preciso finalizar tudo aqui para poder ir embora, tomar um banho frio para tentar baixar minha temperatura e deitar para esticar o meu corpo cansado.

Alguns minutos depois, finalmente termino meu trabalho e espero Cris na saída para irmos caminhando até o ponto de ônibus. A luz fraca da rua lança sombras longas e distorcidas ao nosso redor, e o ar noturno traz consigo um frescor que só faz minha febre parecer ainda mais intensa.

— Heaven, você está bem? Parece tão abatida nos últimos dias... — Cris me olha com preocupação, seus olhos castanhos parecendo ainda mais brilhantes sob a luz fraca da rua.

— Venho sentindo um mal-estar ultimamente, mas hoje piorou, acho que estou com febre.

— Deixa eu ver — Cris diz enquanto coloca a mão em minha testa. Sua mão fria é um alívio momentâneo para a minha pele febril.

— Heaven, você está queimando em febre. Como você está em pé? Como vai caminhar até o ponto de ônibus desse jeito? Vou chamar um carro pelo aplicativo.

— Cris, não precisa, não tenho dinheiro para chamar um carro, você sabe, e não vou deixar que você pague — digo enquanto toco sua mão, impedindo que ela mexa em seu telefone.

— Heaven, amigos são para isso. Quando você receber, deixo que você me pague um açaí, que tal? — ela pergunta, piscando um olho, tentando aliviar o clima com um pouco de humor.

Penso em argumentar novamente, mas lembro de todos os anos de terapia que fiz, de todos os psicólogos que me atenderam e sempre falaram a mesma coisa: você precisa aprender a aceitar ajuda. Determinada a tentar mudar, aceito a sua ajuda.

— Droga — Cris diz enquanto franze a testa. — Meus créditos acabaram, estou sem internet e não vou ter dinheiro para os dois. Ou pago o carro de aplicativo ou coloco crédito. Incrível! Pobre não tem um dia de paz mesmo.

— Não tem problema, vamos andando, vem.

— Espera, vou dar um jeito. Você mal consegue andar. Como vai ficar em pé no ônibus lotado durante todo o trajeto? Deixa eu pensar. — ela diz enquanto mexe em seu celular. — Já sei, vou fazer uma ligação a cobrar para o Murilo.

HeavenOnde histórias criam vida. Descubra agora