Existem vontades, mas não posso tocá-las
nunca é tão fácil quanto fazemos parecer
penso que faz parte de uma manobra populacional, uma
estratégia de combate a impotência:
passamos por infinitas mortes de nós mesmos, porém damos
graça a toda essa merda
apenas para que outra pessoa não desista de tentar
é como convencer alguém a sofrer em busca de prazer
e eu queria poder parar de escrever, mas
não posso simplesmente me sentar
recuar as costas em qualquer poltrona
pegar um papel ou
as teclas
e amontoar palavras
se elas não significarem tudo o que o momento pode me dar
se o não cumprimento desse ritual
não me custasse uma noite
acordado, eu certamente não escreveria
assim como se fosse bom em cozinhar
ou apostar, jogar futebol, administrar empresas
faria qualquer outra coisa... me sinto aceitável
quando escrevo
não se pode chegar ao orgasmo em todo sexo
também na escrita
não se alivia toda amargura num poema
só
e sempre alguém diz:
"a melhor parte é você ainda ser novo
e ser bom
com possibilidade de ser melhor
no futuro"
e eu escuto, por vezes sorrio
nem me vem à cabeça uma resposta, mas indago
comigo mesmo que
deve ser essa doença confortável,
eles adoram a desgraça de vida que
eu retrato,
como um leão de circo
mas não gostariam de ser eu
por um ou dois poemas.
