a ida

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vejo sua silhueta como um vulto
ouço os passos
estalando
ouço a porta ranger
em seguida, o relâmpago, pela janela do quarto
e o trovão da madeira batendo

você se foi

e contigo se foram as minhas
palavras
mórbidas
um pedaço enorme de tudo
que sou
a miragem cansada do nada
que eu sou
e os nossos animais

eu sento na quina da cama
e encaro um rabisco na parede
encaro, como se encarasse todas as decisões
que já tomei
que não tomei
as que aceitei
e as que tenho que aceitar

e a medida que sobe o cheiro de chão
molhado
os meus joelhos se dobram em queda

todos os meus amigos vão dizer
exatamente tudo o que eu sei
todos os seus amigos vão dizer
exatamente tudo o que você sabe
e chão desse quarto sob meu corpo caído
se desfaz num buraco

eu que sempre quis amor
eu que sempre tive amor
eu que nunca soube amar
eu que, sem você
sou eu
você que, sem mim, é você
uma diferença imensurável

Depois do amor vem o quê?Onde histórias criam vida. Descubra agora