Capítulo 9

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Bai Huowu

Tive que continuar o trabalho.

Eu engoli o choro e a dor causada pela briga com Ling Wang. Me obriguei a me mexer, coloquei os minérios no recipiente de fundição. Medi numa balança de pratos, a quantidade do metal isolante que iria adicionar. Eu testava as proporções, para analisar todas as possibilidades. Eu sabia que devia misturar 40% de ferro negro e 30% de opala mística, então tentava suprir os outros 30% com o material isolante, nesse caso, guakai. Até agora nenhuma proporção de nenhum minério isolante resultou no meu objetivo, pois a lâmina ficou quebradiça como terra rachada depois de muito tempo sem chuva.

Anotei o peso e calculei para ver se atendia as quantidades exigidas na porcentagem, elas batiam, assim, coloquei os metais brutos juntos no recipiente de fundição, coloquei as luvas reforçadas e me direcionei para o forno. Abri e com o auxílio de uma pinça, devido ao calor que fazia não havia como se aproximar demais, por isso a pinça e as luvas. Coloquei o recipiente e fechei o forno. Suor já porejava pela minha testa, enxuguei com as costas das mãos e fui pegar o molde da espada, coloquei sobre a bancada. E agora era esperar.

Os momentos de silêncio e espera sempre foram meus inimigos mortais. O silêncio tende a torturar mentes inquietas. Meus dedos batucaram a superfície da bancada. Só não pense. Eu me negava. Não pense e não irá chorar. Está tudo bem, você é um miserável sem coração mesmo. Um pervertido que se diverte em bordéis e até comete crimes como ver as servas nuas do Palácio das Nuvens.  

É. Parei de batucar. Eu mereço cada centímetro de dor, não é? Nesse momento, minha mente, até então fortemente pressionada a não pensar, rompeu o dique da minha vontade e inundou meu cérebro. Eu revivi o meu passado. 

Minha mãe era uma mulher de 1,50m, brava e teimosa como uma mula. Tinha um sorriso insistente no rosto, por mais difícil que uma situação fosse. Sim, a sua armadura era seu sorriso. Não qualquer um, não era um meio sorriso ou um risinho. Não. Era um sorriso amplo, que tornava seus olhos dois tracinhos e enrugava seu nariz. Do tipo que aquece os corações. Meu pai era o oposto. Nada de risos, nada de presença ou consideração. "Ele não deve comer na mesa", foi o que disse quando arremessou meu prato na parede, "Devo lembrá-la que esse moleque não é o nosso filho de verdade? Mas um órfão maldito que abandonaram na nossa porta?!". Ela tampava meus ouvidos e me arrastava consigo.

Eu chorava e ela enxugava cada lágrima com os polegares.

"Não leve as palavras dele para o coração, ele não é tão mal". Ela sorriu e cutucou minha barriga. "Agora vamos encher essa barriguinha murcha".

Eu assenti em resposta e depois a imitei, sorri. Enquanto houvesse um sorriso em meu rosto, eu poderia enfrentar qualquer coisa. As emoções verdadeiras poderiam ser encaixotadas e abandonadas em um lugar em que eu nunca mais as visse. Eram irrelevantes.

A memória mudou, era um dia ensolarado, meu pai tinha um raro sorriso em seus lábios e um tom hostil em seus olhos, mas eu não percebi. Ele me oferecia balas, as peguei e provei. Depois apaguei e acordei amarrado, junto de outras crianças que choravam. Eu não entendi o que aconteceu, notei que estava no meio de uma praça e pessoas gritavam números. Mas por quê? Eu não entendia, hoje sei que era a praça dos escravos, onde pessoas são vendidas. Meu pai me vendeu como um meio para ganhar dinheiro e pagar suas dívidas de jogo. Me vendeu, como se eu fosse um objeto sem emoção.

Senti minha garganta se fechar e lágrimas arderem. Era culpa minha, não sou o bastante. Sou um maldito que de alguma forma sempre estraga tudo. Um soluço irrompeu a minha garganta. Me segurei. Não. Forcei um sorriso no rosto e tentei ver o lado positivo, o Shifu Fei Yin me comprou, em suas palavras "ele viu algo em mim". Depois disso virei seu servo, em seguida seu aprendiz. E aqui estou eu, esperando os minérios derreterem.

Fiquei encarando as chamas em expectativa, tentando esquecer qualquer desgosto sentimental, me concentrando no trabalho. Eu podia fazer isso, podia prender minhas emoções e colocar um sorriso na cara. Afinal, nenhuma dessas sensações eram novas. Nem mesmo a solidão. Não, isso não me assustava. Não mais.

– Bai HuoWu. – mestre Fei Ying me chamou da entrada, não esperou que eu fosse recepcioná-lo e adentrou a forja. Ele se aproximou, em seu típico andar arrogante e sua expressão enojada de sempre.

– Shifu Fei Ying. – apresentei minhas saudações, me curvando respeitosamente. – O que o traz aqui? – completei a pergunta, eu não me sentia muito bem para receber visitas.

– Vim ver se meu melhor aprendiz teve algum avanço. – ele pegou a minha caderneta de cima da bancada, seus olhos ágeis analisando as proporções dos metais anotados na folha amarelada. Me senti desconfortável com aquilo, detesto quando mexem nas minhas coisas. Por isso, puxei minha caderneta de entre seus dedos rígidos e finos.

– Ainda não.

– Garoto rude! Deveria ter te ensinado alguma educação, nem que fosse pela força dos golpes de um chicote! – ele rosnou e eu quase me encolhi, porém, lembrei quem era. Um idiota excêntrico e impulsivo. Estiquei a coluna.

– Nós dois sabemos que isso não funcionaria, sou incorrigível. – apresentei meu sorriso mais sem vergonha e escondi minhas anotações nas dobras do meu hanfu, na região do peito. – Contudo, ainda tenho certa cortesia, rala é um fato, mas ainda tenho. Deseja uma xícara de chá?

– Não, apenas faço uma visita rápida. – ele vistoriou meus instrumentos, olhou para a forja com interesse indisfarçável. Eu via em seus olhos que calculava o quanto poderia ganhar com aquilo. – Bom, se tiver algum avanço me avise imediatamente.

– É evidente, que assim será feito.

Ele se virou e foi embora. Fiquei aliviado quando ouvi o som da porta fechando, aquele velho às vezes conseguia me assustar, mas era inofensivo. Se eu lhe desse, alguma invenção que pudesse lucrar durante algum tempo, ele me deixaria em paz.

 Se eu lhe desse, alguma invenção que pudesse lucrar durante algum tempo, ele me deixaria em paz

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A Espada que Corta as TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora