Não podíamos ficar juntos.

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Ouvir o nome que médica resolveu falar não adiantou em nada pra mim eu apenas foquei na parte do "não tem mais batimento cardíaco" e minha cabeça divagou.

Gleisi chorava mas parecia um choro controlado ou eu quem estava descontrolado demais, sentia raiva, sentia medo, sentia culpa, era minha culpa, ela estava ótima, ela havia dito que estava sentindo algumas cólicas e eu a agarrei pra fazer sexo e com certeza isso matou nosso filho.

Dra. Karla: eu vou sair da sala enquanto a senhora coloca sua roupa, e aí iremos ao meu consultório para eu explicar melhor.

Eu já estava caído de joelhos no chão, chorando, eu chorava desesperadamente, meu filho, meu amado filho...

"...E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus..."

Em silencio, exceto pelo barulho do fungar do nariz Gleisi se vestiu e eu continuei ali, no chão, devastado, arrasado, não era agora, não era o momento de dizer adeus, não queria me apegar as boas e pouquíssimas lembranças que fizemos, não queria chegar em casa olhar pra um mini macacão do vasco sabendo que ele nunca mais seria ocupado, não queria ir para o consultório da médica para ouvir ela dizer mais uma vez que meu filho está morto.

Gleisi se abaixou, pegou minhas mãos, deu um beijo no meu rosto e por fim disse:

Gleisi: vamos acabar logo com isso, por favor.

Naquelas palavras da minha lourinha eu sabia que também estás doendo nela, e ela só queria que aquilo acabasse, aquele pesadelo horrível acabasse, ela era tão forte, e eu me sentia um fraco, apenas segurei sua mão, me pus de pé e caminhamos a passos lentos e dolorosos até a sala da médica que já nos esperava com uma equipe, no consultório havia ela, uma enfermeira geral, a psicóloga geral do hospital e o chefe geral da cirurgia, eles iriam nos explicar o que aconteceria agora.

Sentamos na cadeira, e eu só consegui olhar pra Gleisi e dizer:

Lind: me perdoa meu amor, foi culpa minha, se não tivéssemos feito nada hoje ele ainda estaria aqui.

Gleisi me olhava com uma cara de dor, de sofrimento, mas ao mesmo tempo apática, como se já esperasse por isso, me respondeu com um "tá tudo bem meu lindo, não foi sua culpa".

Dra. Karla: na verdade não foi culpa de ninguém, estava destinado a ser assim. As chances de uma mulher desenvolver esse tipo de gravidez são de menos de um por cento.

Lind: hoje pela manhã, fizemos amor, é possível que o esforço tenha causado isso?

Gleisi me olhou vermelha não só de vergonha mas também acho que ela havia entendido a culpa que eu estava sentindo e isso fez seus olhos marejarem.

Dra. Karla: de forma alguma, isso aconteceria de qualquer forma. A perca do bebê é inevitável nesse tipo de gravidez já que ele se desenvolve fora do corpo uterino. O bebê de vocês estava localizado na sua trompa direita Gleisi, próxima ao seu ovário esquerdo, como já não temos mais batimentos cardíacos o que nos resta é fazer a retirada do feto para que não afete a sua saúde, nossa prioridade agora é com você.

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