IV

11 0 0
                                    

Nós duas almoçávamos juntas. Ela come depressa. Parece empolgada. Está empolgada. Não fala nada. Como eu queria conversar com ela, trocar uma palavra. Mas não, ela fica quieta na dela. Nesses momentos ela fica quieta, no telefone fica tagarela, fala tão alto que imagino os vizinhos podem ouvir. Soberba? Dá para dizer isso, mas agora o momento é de quietude, apenas comer, rapidamente e sair daqui. Mais um dia como todos os outros dias. Permanecer em casa, limpar, organizar – e se eu arruinasse alguma coisa? Não dá, sou a arquivista. Silêncio. Ela tem os olhos castanhos que foram arruinados na minha família. Minha vó contou-me que a mãe dela tinha olhos azuis. Uns italianos meio desajustados, mas faziam bom pão. Assim a imigração italiana deu certo. Mas foi casando com um, casando com outro e pronto, se misturaram com os demais. Agora vejo minha filha, uma herança desse povo, talvez se pareça mais com eles do que eu própria. Meu pai teria orgulho de ver uma neta tão linda assim, certamente. Deixou um beijo pra ela lá do céu.

Ela termina de almoçar. Está bem arrumada, mesmo de uniforme escolar consegue achar beleza para colocar acessórios, brincos, maquiagem. Cheia de perfume. Passa para a pia o prato. Atravessa o corredor e vai para o seu quarto. Preciso falar com ela. Preciso. Ela precisa falar comigo. Será que eu tinha o mesmo comportamento quando jovem? Eu não falava tanto assim com a minha mãe? Não, claro que não. Conversava e muito. Penso um pouco que meus pais se intrometiam um pouco bastante na minha vida. Mas é uma necessidade isso, é sim, como vai saber se está indo tudo bem. É a responsabilidade deles. Minha. E ela não me diz quase nada. O que sei sobre minha filha? Que está apaixonada por um cara que não vale nada, que adora dançar, que tem umas amigas erradas. O que sei eu? O que sei?

Quando como todo a comida do prato, deixo lá na mesa mesmo e vou ver como Sara está. O corredor iluminado, o sol radiante, o farfalhar da poeira nas palavras. O meu passo acelerado. Um dito inexpressivo. Estava inquieta dentro de mim. Bater naquela porta era muito mais... Era... Ah, era como se tudo dependesse daquilo pra mim, naquele instante, poder se comunicar com minha filha. Espantei-me quando vi a porta do quarto fechada. Por que precisaria fechar, hein? Não pense em coisas assim, né Olivia? Só ser privacidade, não faz nada de errado. Mania de pensar que estão fazendo coisas erradas. Confiança, Olivia, confiança. Mas portas fechadas é mesmo um sinal de estar escondendo alguma coisa. Pois então deixaria aberta, não? Ah, não interessa. Chega de ficar pensando em várias coisas ao mesmo tempo assim. Tem coisas mais importantes do que isso. Como o bem-estar da sua filha. Então finalmente bati na porta.

- Que foi? – me pergunta de dentro do quarto.

- Posso entrar? – e eu ainda peço permissão. Inacreditável. Mas deixo de pensar e simplesmente vou. Melhor mesmo. Ouço atentamente.

- Espera aí.

Aguardo os míseros segundos para poder entrar. Olho o ambiente ao redor mais uma vez. Bem, o que posso fazer para aguardar? Os segundos que não se parecem segundos. A vida que se parece uma eternidade. Mas a alma é eterna mesmo, aqui só faz parte de um ciclo. Aquelas formiguinhas correndo em pares no canto da parede, nem pensem como eu penso, nem sabem de quase nada, mas mesmo assim seguem o plano criado por Deus. O verdadeiro narrador, o fio condutor. Criaste tudo, apenas me conduzo porque Ele me permite. Pena que nem todos de nós estão despertados como deveriam. Quanto tempo se passou aqui? Formigas enfileiradas, fazendo o seu trajeto... Há tantas formigas assim na minha casa? Nunca reparei? E ela, onde está?

- E então, filha?

- Já vou, só um minuto!

Queria entender por que demora. Talvez seja por causa do menino lá. Mas não fala no telefone dessa vez. Fica toda estranha.

O Mundo em Casa - História de uma FamíliaOnde histórias criam vida. Descubra agora