XVII

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- Rápido, Carlos! Rápido! – exclamou ela energicamente.

A música de Roberto Carlos deixava Olivia mal-humorada, "como podia gostar de uma coisa assim?", ela questionava. Que exagero, meu bem, não é tão ruim. "Essa geração inteira de jovens sendo formada por essa corja", criticou enquanto mexia o molho de tomate na panela. O cheiro era bom. Eu estava com fome e a noite já tinha sido instaurada. Podia ouvir vozes de vizinhos já celebrando a chegada do Natal. Dentre poucas horas a magia do Natal tomaria conta do ambiente e estaríamos agradecendo a Deus por esse dia. Imaginei Sara contente com aquele solo de saxofone, empolgada com a canção. "Está escutando o que ele está falando? Faz apologia aos jovens a fumar, não está vendo? Leva os jovens ao vício e essa imoralidade sem fim." Mas eu também não fumava? E por acaso eu era um jovem? Não podia deixar que ela soubesse tanto. Pensei no boteco e como Zé deveria estar com aquela situação. Deus queira que esteja tudo bem. E que João tivesse ficado bem também. Mas por acaso é proibido?

- Não acha exagero, não, meu bem?

Com a colher ela colocou um pouco do molho na palma de sua mão. Levou-o a boca e experimentou. Aprovou o sabor. "Está ótimo". Ela acrescentara uns pedaços de bacon e fazia um cheiro tão bom se alastrar pela cozinha que meu estomago roncava de fome. Fazia tempo que eu não tinha essa fome, quase que um delírio pelas coisas boas da vida. Pedi para degustar um pouco também. Ela mexeu na panela mais um pouco e colocou um pouco de molho na palma de minha mão. Experimentei. Delicioso. Tão bom que lambi os beiços e desejei mais.

- Agora depressa com as carnes. – repetiu ela com a voz polida e enérgica. – Nenhum minuto a mais senão queima.

Ela me deu espaço e liguei o forno. Parecia perfeito, bem temperada e pronta para o forno. Coloquei a carne para assar no forno. Um fervilhar magnífico. Nossos dias podiam ser assim sempre. Nem a música do Roberto e aquele jeito ensandecido de minha filha me incomodavam. Para ser sincero era tudo muito fantástico. Parecia que naquele momento todos os problemas da terra tinham se extinguidos. Não haveria mais conflito nenhum e eu ficava numa completa felicidade. O vento rosnava algumas vezes. Estava ficando cada vez mais intenso.

- Que horas são, Olivia?

Perguntei depois de colocar as carnes no forno. Ela olhou para o relógio. Tinha até me esquecido daquele tique-taque de todo santo dia.

- Oito e meia.

- Certo.

E na minha cabeça fui calculando mais ou menos quando as carnes estariam prontas. Eu estava mesmo com fome, não demoraria para a comida ficar pronta. O macarrão exalava um cheiro muito agradável. Olivia apanhou uma toalha verde e estendeu-a na mesa. Ela preparou a mesa rapidamente. O suco conservava-se na geladeira. Pôs pratos, talheres e copos para todos. Enquanto eu observava a carne no forno reparei como a mesa tinha ficado bonita. Tudo estava saindo como planejado. Ela me contou que faria sua prece para Nossa Senhora no Natal, pois se sentia que devia ser grata por tudo. Amo o amor, amo ter você ao meu lado. Olhei para ela. Não poderia ser diferente. Mesmo olhando para a carne no forno eu lembrava do sonho que tive e claro, lembrava do versículo que me acompanhava.

Sara cessou a música. Guardou o disco de vinil com os demais. Olivia ficara contente com o fim da melodia. Talvez o silêncio seja melhor que essas músicas, disse-me enquanto olhava para o relógio. Poderia ter um sorvete, não? Perguntei. Eu queria um sorvete nesses dias tão quentes.

- O dinheiro que me deu não dava para comprar. Não me deu muito, esqueceu?

Engoli a frase dela a seco. Para onde iríamos agora? Onde? Pela janela eu observava o céu. Mesmo naquele tempo abafado um vento frio batia, o frio e o calor se juntando, as nuvens se formavam e ficavam mais pesadas. Essa mistura de temperaturas opostas ainda me deixava com calor, tudo parecia assim esbraseado e bebia água gelada ainda para refrescar. Olivia e eu nos sentamos. O tempo passava. Ficamos conversando. O macarrão já estava pronto, só faltava as carnes então.

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