O escurinho do cinema. Sedutor. Mais do que bom. Eu ia contando para ele como foi meu dia. Um saco, falei, mas pelo menos aquela droga acabou. Ainda tive que usar o mimeógrafo pra fazer a cópia da lição e entregar. Aquele cheiro, detesto o cheiro do mimeógrafo. Droga do álcool. E vamos conversando e avançando na fila. Ele compra um saco de pipocas e uma Coca-Cola. Pergunto de novo qual filme vamos assistir, porém ele não me responde. A película não importa mesmo e sim estarmos juntos. É o menino mais bonito da fila. Os esquisitões ficam babando para esse casal. Dou muita risada na minha cabeça. Isso me lembra o dia numa festa dos amigos dele que todo mundo ficou impressionados como erámos um belo casal. Realmente somos os mais bonitos dessa gentalha. Eu poderia ser uma grande atriz. Wanderléa nem chega aos meus pés. Impossível parar essa união! Nem vem senhor juiz que aqui nem tem. Rio mais ainda. Uma gargalhada. Mas que se dane, sou da área de psicologia.
- Que foi? Você parece agitada.
- Ansiosa. – dou a mão para ele e ficamos de mãos dadas. Mágico é o toque. Tudo se transforma ao sentir ser tocada. Ele tira um cigarrinho do bolso e começa a tragar. Putz, muito à la Roberto, proibido fumar no recinto. Tomara que nenhuma funcionária nem venha reprimir o ato. Acho-o tão charmoso mexer os dedos no cigarro. Faz umas baforadas. Às vezes me oferece, por educação, mas recuso como sempre.
Entramos na sala. Ele apaga o cigarro. Há um bom número de pessoas para a sessão. Penso sobre o que será a fita. Não duvido que ele escolheu uma fita meio chata. Mas tudo bem. É uma beleza. Nós dois sentamos então. Ele escolhe um lugar propício para nós dois, longe das demais pessoas, perfeito para eu acariciar seu ombro. Comemos a pipoca juntos. Espero pelo filme começar. Ele olha para mim e passa sua mão no meu rosto. Eu me aproximo e deixo-me levar e me dá um beijo como se fosse eterno. Fico arrepiada, ansiosa, esperando seu próximo movimento.
- Você está uma coisa de linda.
- É mesmo? – e meus olhos brilham quando a tela do filme se ilumina. As luzes piscando e eu me perco no olhar dele. Talvez seja eterno, sinto que é. O amor faz os momentos serem eternos. E eu poderia ficar contemplando sua beleza eternamente.
Então sinto ele acariciar minha perna. Fico muda. Que filme vamos assistir, hein? Muito sedutor ao continuar me tocando. O escurinho do cinema é lugar mais deleitoso que há. Vejo estrelas surgirem então. Vontade de mergulhar. Mas as estrelas são verdadeiras. Digo, realmente há estrelas na tela e a película começa a ser rodada. E o corpo de Matheus brilhando agora, pegando mais um pouco de pipoca, mastiga, delícia, os lábios tão atraentes e o filme nos introduz ao personagem protagonista. Mas não percebo nada. Sei lá. Fico meio assim. Ah... Ele envolve o braço dele ao meu ombro. Mas me sinto tão... Ai! Preciso de um ar. Um ar.
- Matheus...
- Que foi?
- Eu vou no banheiro.
- Está bem.
Ele remove o braço, dando me abertura. Assim eu saio da sala. O segurança da porta olha para mim e me informa onde fica o banheiro. O corredor parece mais estreito agora. Não está muito bem. Sinto-me um pouco mal. Nem eu mesmo entendo. Passo para o banheiro e entro numa das cabines. Uma dorzinha. Que droga de incômodo. Pelo menos está vazio, nenhuma outra garota aqui presente. Mas será que isso é bom mesmo? Não importa. Sento no vaso e fico quieta, mas minha vontade é de gemer. É cólica? E eu lá sei. Meu ciclo menstrual todo enigmático, uma loucura. Mas não, não é cólica, a dor é ainda pior. Olho para a porta branca da cabine. Se eu tomo um dipirona ou coisa assim já passa logo, é algo bobo.
Respiro. Respiro profundamente. Tomo um fôlego. Olho para cima e acredito que isso é temporário. O banheiro do cinema até que é limpinho. Respiro mais uma vez e passo a mão na minha barriga. Estou melhor. Sei que estou. Desço minha calcinha e faço xixi. Sem problema, mamão com açúcar. Agora já não estou mais tão grilada. Levanto-me do vaso e lavo minhas mãos na pia. Olho o meu rosto no espelho. Agora que me dei conta que estou sem minha bolsa, nem dá para eu passar um batom e melhorar a aparência. Mas sou bonita naturalmente. Natalia morre de inveja. Jogo uma água no rosto para melhorar um pouco. Dou uma ajeitada no meu cabelo e uma senhorinha usando uma blusa azul aparece. Por que usa uma blusa se hoje está calor? Deve ser uma frienta. Ela me cumprimenta e me pergunta o que achei do filme, tentando ser simpática, querendo iniciar uma conversa talvez.
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O Mundo em Casa - História de uma Família
Художественная прозаA história de uma família paulistana de classe média, contada sob suas particulares perspectivas e visões de mundo o seu cotidiano.