XV

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- Carlos... Acorda, Carlos!

Eu respirava lentamente. A voz intrigada de Olivia me chamava. A mão dela me cutucava também, tinha a mão mole que depois endurecia para me chamar. Comecei a abrir meus olhos e me doeu ao perceber que o sol já nascera. A lua tinha ido embora e eu não tinha me despedido dela. Ela parecia nervosa pela fala dela. Nos meus olhos haviam remela. Fiquei com uma certa vergonha de estar passando por ali. Eu jogado no quintal, dormira ali mesmo naquela parede. O cigarro apagado ficou no chão. Lembrei do copo de cerveja. Nos entreolhamos e eu não sabia o que dizer para ela. Quando eu acordei de fato ela respirou de alívio.

- O que aconteceu? Desmaiou aqui?

O calor do dia já tinha começado. O chão agora era excessivamente desagradável pelo calor. O sol iluminava ao redor. Olivia tentando falar comigo, via alguns dos seus fios brancos descerem pela cabeleira. Estava com o rosto confuso. Mas que bendita confusão era, não era? Pus a mão no rosto para despertar melhor. Me dei conta que eu estava um pouco sujo. Ela me perguntou o que aconteceu comigo. "Te atacaram, meu amor? E esse cigarro?" Bocejei e levantei. Saí do chão. Era bem melhor estar de pé. Comecei a conversar com ela.

- Acabei dormindo aqui, Olivia.

- Dormiu aqui? Como chegou a esse ponto? Já lhe disse para amenizar nesse cigarro. Pelo menos tentar reduzir.

- Olivia, eu... Você...

Não consegui falar. Naquele momento até cogitei em falar para ela. Quase falei. Mas fui bloqueado. Fiquei com medo quando vi o rosto dela e declarar assim sobre cigarro. Ela já deveria pensar que isso era algum tipo de um vício meu. Um vício e minha ruína. Mas eu não vou cair, não vou. Eu precisava de um banho mesmo.

- Que foi? Fala, Carlos. Pra você ter chegado a esse ponto de ter dormido aqui no chão algo não está certo. Me diz, aconteceu alguma coisa? Você já tem esse seu problema do sono...

- Para de falar do meu sono! – levantei a voz. apanhei o cigarro do chão e joguei-o no lixo – Desculpa falar assim... Mas eu realmente fiquei meio nervoso. Sei sobre minhas péssimas olheiras.

- Mas você assim nesse estado, meu bem. Eu sei que não está bem. Nem preciso fala mais nada, sei que não está. – Ela arrumou o cabelo para trás. Juntou as mãos e olhou para mim. Estava preocupada, como quase sempre estava preocupada com a família – Quer rezar? Podemos ir para a igreja, se quiser. Ainda não acredito que foi mesmo para a igreja.

- Pois fui sim; não menti. Quase até confessei para o padre. Olha, acho que eu só preciso descansar, está bem? Se eu dormir bem eu já fico melhor. Vou tomar um banho e dormir. Não me acorde, por favor?

Ela se aproximou de mim. Concordou e deu um beijo na minha bochecha. Incrível ela como conseguia superar tudo pelo o amor, até para dar um beijo onde o seu amado estava com o hálito de cigarro repugnante para ela. Pois então voltei para o quarto. Passei pelo corredor. Sara ainda dormia. Deveria ser umas oito ou nove horas. Estava tão quente que fui correndo para o chuveiro. Nunca desejei tanta água assim na minha vida. Tirei a roupa. Entrei no banho. A água percorria o meu corpo. Era tão bom a água, me lavava com vontade, queria senti-la com maior intensidade. Havia uma espécie de sacrilégio ao se banhar. Algo de purificação incrivelmente mágica. Me sentia mais leve. Terminei de me ensaboar e assim saí do banho.

Olhei a cama. Olivia tinha saído há pouco dela pois eu ainda podia ver as marcas nos lençóis na parte em que se deitara. Eu tinha que encarar. Era o maior desafio. A cama sempre era maior do que parecia ser. Tão vasto. Observei aquela imensidão apreensivo. Coloquei uma roupa mais leve e hesitei um pouco, não nego. Era o meu desafio. Me acheguei na cama e fui encostando. Com o calor que estava não era necessário cobertas. Era manhã e eu finalmente podia ter meu sono pleno. Deitei. Enfiei a cabeça no travesseiro, fechei meus olhos e comecei a bocejar. O sono já me dominava. Eu ficava cada vez mais pesado, cada vez mais exausto até parar completamente. O silêncio e a calmaria eram bastante preciosos. Fechei meus olhos e me vi em outro lugar. Deveria estar roncando. Eu estava então num lugar não tão bem iluminado. Eu não sentia medo em estar ali. Olhei ao redor. Tinha uma fileira de bancos de madeira a minha frente. Era um salão espaçoso. Vi algumas velas mais adiante. Eu estava calado. Não havia outra pessoa além de mim. Tive uma visão assim como Teresa de Ávila na minha cabeça. Ficava imaginando que Teresa de Ávila surgisse ali – não sei bem explicar porquê – e que, de um algum jeito, uniria sua contemplação e sairia daqueles escombros. Sim, escombros. Aquele lugar em que eu estava representava sim o passado, o antiquado, tudo que se perdera e não fazia mais sentido. O passado ainda reverbera querendo ou não. O que Teresa de Ávila faria? Não sou uma freira que sabe tão bem como alcançar a Deus. Por isso minha alma está assim perturbada. Preciso abandonar o passado. De repente uma escritura na parede aparece para mim. Como se saísse de labaredas sobrenaturais eu vi algo ser escrito na parede a minha frente. As palavras queimavam e era bonito. O fogo brilhava nos meus olhos ao ver. Eu vi o versículo que minha mãe leu para mim anos atrás e reli. Li, mas desta vez li calmamente para saborear cada palavra que eu sentia suspirar da minha boca. "bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos". Comecei a chorar no meu sonho e era como se realmente começasse a me sentir bem. Eu tinha perdido o significado do que era paz.

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