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Sirvo o jantar. Me sinto em paz. Plenamente em paz. Dou aleluia e meus olhos se enchem de lágrimas, brilham com intensidade, aleluia ao meu Deus! Até o calor do dia reduz, agora está fresco, mais equilibrado. Deu um ventinho suave enquanto estava no quintal e as coisas melhoraram. O sopro da vida. O sopro dá vida. E eu assopro o caldo do arroz na mão para experimentar. O tempero está bom. Muito bom. Vou servir logo com toda felicidade, com todo agrado, pois estou felicíssima. E poderia ser diferente? A felicidade está dentro de nós. Sim, e quando cruzam seu caminho com Deus. O encontro.

E daqui a pouco encontro com Carlos. O ponteiro do relógio já marca dezoito horas. Quero hoje ficar bem, ficar lúcida, transparente e deixar que Deus assuma o controle. Minha escolha, minha liberdade. Mexo na panela do feijão e vejo que já está tudo pronto. Perfeito. Hoje sim está tudo excelente.

Ouço o portão se abrir, as chaves girando, os passos largos vindo para cá. É Carlos que chego! Estremeço. Estremeço contente. Não há nada mais precioso do que isso. Olho intensamente esperando aparecer aqui na cozinha.

Quando eu paro tudo que estou fazendo, ele surge com sua roupa de sempre do trabalho e encosta na parede, com um olhar cabisbaixo. Por que, meu Pai, por que? E eu toda feliz com sua chegada, você sabe o que esse momento significa para mim? Eu poderia... Esquece, vou até ele e dou um abraço apertado, e dou um beijo tão beijado nos seus lábios como tempos que não o beijo assim. Ele se espanta. Não ligo. É lindo. Seus ombros resplandecem e brincam com a minha cabeça. Isso me lembra o Cântico dos Cânticos, ai meu amor, ai meu Pai! Que seus lábios me cubram de beijos, seu amor é melhor que vinho, sim é melhor que refrigerante e tudo mais! Ele me encara, parece que agora acordou um pouco, suas pálpebras sobem e descem alternadamente.

- Que foi, Olivia?

- Nada, nada. Apenas te amo mesmo. – Digo. E é verdade. É nada, porque não tem nada demais que me consome, porque isto é tudo e é o que meu coração sente. Um êxtase do amor. O amor puro, belo, sem contravenções, sem balburdia alguma.

- Ah, eu também te amo. Mas preciso de um tempo, por favor. Estou com fome.

- Sim, claro. – Fui pegar os pratos para jantarmos.

Ele pôs sua própria comida e sentou-se. Eu me servi também e acompanhei-o. Dessa vez coloquei meu ingrediente especial na refeição: o amor. Uma pitada de felicidade. Um fio de paz. E boas colheradas de alegria. Eu comia suavemente enquanto bebia um pouco de copo de água. Ele fez um prato grande e comia tudo. Parecia tudo o maior sossego. Nunca vi tão calmaria assim num lago. Era inacreditável. E por um momento eu me senti feliz. E naquele momento me dei conta que eu era uma mulher feliz. Mesmo com tantas adversidades, nada mudava a minha fé que eu sentia. Trabalhei minha fé e fiquei mais forte. Carlos despejou um pouco de azeite na comida. Eu mastigava lentamente, degustando. Tudo tinha um sabor mais atraente agora, era tudo mais apurado. É engraçado como você não consegue descrever isso, mas a verdade é que você saberá quando cruzar essa jornada.

Não conversamos muito. Tentei puxar assunto sobre como Clarice estava – doente, de cama, vomitando, mas não prestou muita atenção. Perguntei para ele sobre o chefe dele. Não quis comentar. Bebi um pouco de água então. Ia perguntar sobre qualquer coisa do cotidiano, porém Sara apareceu bem nessa hora. Sentia o perfume dela exalando, podia sentir de longe. Era cheiroso, não dá para negar, um aroma que simulava frutas vermelhas, algo meio voluptuoso assim. Ela parecia ofegante quando chegou. Estava com a blusa verde da escola amarrada na cintura, queria ser diferente de todas. Olhei-a. Cumprimentei minha filha.

- Oi.

- Oi! – ela parecia animada pelo jeito que falava – Estou tão feliz. Amanhã é o último dia da escola. Dá pra acreditar? Nunca mais ver aqueles insuportáveis.

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