XIV

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Andava lentamente. Tinha saído do ônibus que tomara e fazia o caminho de volta a casa. Pois era lá, a casa, onde estava o principal de tudo, o meu mundo. Via poucas pessoas nas ruas. Um gato acinzentado atravessou a rua e pulou numa casa. Um forte cheiro passou por mim. Não sabia dizer sobre o que era aquele cheiro, mas sabia que não era agradável. De repente me lembrei do boteco do Zé. Tomara que não tivesse mais problemas com os assaltantes. Deus, proteja os bêbados também, te peço. Enquanto eu me direcionava, resolvi então passar rapidamente até lá para vê-lo. Tinha uns trocados comigo, eu podia beber uns copos de cerveja enquanto via o sol descer completamente.

Passei por mais algumas ruas. Não demorou mais de cinco minutos, imagino eu, para que eu chegasse no boteco. Pela minha surpresa havia alguns homens também bebendo ali. Ninguém jogava sinuca naquele momento. Provavelmente João chegaria logo para ficar jogando até tarde e se embriagando. Está tão mal que até dificuldades para andar ele tem. Ele parecia que não tinha nada para fazer, ficou viúvo e agora passa suas noites bebendo ou então em algum canto da cidade perdendo dinheiro para o jogo. A vida é tão dúbia assim. Quando conheci João pela primeira vez era mais animado, lembro como se empolgava com samba e gostava mesmo dos bailes carnavalescos; agora se contenta com tão pouco, bebe suas doses e já fica delirando. Entrei no boteco. Era aquele mesmo lugar, um tanto morto, como sempre. Zé veio e perguntou se eu estava bem e se queria tomar alguma coisa. Pedi minha cerveja e fiquei sentado no balcão vendo os outros senhores conversando e bebendo numa roda de mesa.

Zé me serviu. Tomei um gole generoso e apreciei bem devagar. Estava gelada assim como eu queria. Chamei então meu caro e queria saber como ele estava.

- Está tudo bem por aqui agora? – ele sabia sobre o que eu estava me referindo.

- Por enquanto sim. – ele ajeitou as garrafas de cerveja da geladeira. Voltou-se para mim e falou mais baixo: – O pessoal daqui na rua está em alerta. Se eles aparecem aqui de novo... Pode ter certeza que o bicho vai pegar.

- Vou me manter em alerta também. – disse, querendo ajuda-lo – Se precisar de mim sabe onde me encontrar, certo?

- Sei, já disse isso. Aliás, você já retornou do serviço? Impressão minha ou saiu mais cedo?

Engasguei. Não sei se conseguiria contar o que aconteceu hoje. Falta de coragem? E eu querendo me mostrar solidário com ele. É tudo uma vergonha. Não falaria a verdade, pelo menos não hoje. Mas também não falaria toda a verdade. Deixei a bebida passar pela minha garganta.

- É o Natal que se aproxima, entende?

Ele confirmou com a cabeça. Voltou a mexer na pia do balcão. Observei o pacato movimento das pessoas dali. Com exceção pelos homens naquela roda, tudo ali estava muito parado. Os homens as vezes falavam alto; subiam o tom e ficavam acalorados numa discussão qualquer. Do que será que dialogavam que tanto ficavam assim, com os nervos a flor da pele? E depois riam um dos outros, tiravam sarro e eu voltei para minha cerveja que era melhor. Ficaria ali só por mais alguns minutos e daria o tempo certo. Chegaria em casa como se fosse outro dia qualquer de trabalho. Olivia não poderia saber o que me acontecera; não agora. Deve ter gastado todo o dinheiro que eu lhe dei para realizar a ceia. Eu sei, meu bem, que não foi tão grande quantia como antes. Sei. Mas era o que dava. Olha pelo meu lado. Olhe pelos meus olhos. Meus olhos que não conseguem pregar o sono e ainda tem essas olheiras ridículas.

Quando eu terminei de beber, João entrou no bar – quase que mancando – e cumprimentou aqueles senhores que conversavam. Era o tempo de eu sair dali e ele chegar. Era o melhor momento para voltar para casa. Ele me abordou também, me deu boa noite e eu fiquei espantado. Disse tchau para Zé, que falou respondeu tchau rapidamente para mim. Quando saí dali então reparei que escurecera. Que horas deviam ser? Será que já é tarde demais? Comecei a apertar o passo então.

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