XII

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- Precisa de um controle. – Sandro resmunga enquanto atravesso o corredor. – Além disso, o time anda caindo. Não acha, Tiago?

- Não. – Tiago passa caminhando ao nosso lado e nos seguindo, continuando a conversa – A seleção está boa, ganhamos a copa, meu! Pelé faz um estouro no campo. E vamos ganhar a próxima copa, quer apostar?

Só fico ouvindo a discussão vazia dos dois. Pego o copo e finalmente consigo beber a água do bebedouro. Tomo mais de um copo tentando refrescar o estado quente que estou. Eu até tomaria outro banho para aliviar o calor. Ouço os dois falarem do Zagallo. Sou corintiano, mas nem futebol vejo direito. Eu gostaria de me importar mais com meu time do que as que já me preocupam constantemente. Dá para ouvir a voz do Doutor Osvaldo reverberar por todo o corredor. Que figura, meu Deus, que figura! Hoje mesmo meteria o pé na rua e sairia daqui fumando para descansar. Não posso ficar louco, perder ou sono ou muito menos deixar de viver por tamanha coisa insignificante. O que foi que eu vi? A mulher essa hora deve estar na dela fazendo seu trabalho por aí. Com a prancheta, provavelmente, ficou na sua mesinha analisando a papelada. O que há para analisar? O que você, Carlos? Olho para o Sandro, e respondo quase que sem vontade alguma:

- Vamos bem, meu chapa. A seleção brasileira anda muito bem. Vamos ganhar a próxima copa. Agora mudando de assunto, vocês viram a Carol?

- Fiquei sabendo que vai entrar uma hora mais tarde hoje. – Tiago me responde.

- Por que?

Articulando com as mãos, expressa-se que não sabe. Os dois ficam tendo então sua conversa paralela novamente. Carol é esperta, um tanto tímida, mas teve dias que consegue sair rápido de algum problema. Mas é verdade que sua timidez atrapalha, tem momentos que não consegue se comunicar pois diz se sentir um pouco intimidade. Os olhos dela são miúdos e seu sorriso, como sempre, é delicado assim como uma pena deslizando para o chão. Fica na máquina de datilografar. Havia um mimeógrafo por aqui, mas quebrou. Vejo uns funcionários passar pela gente. Vão instalar os serviços da operadora de comunicações. Mais telefones espalhados pela cidade. Me falam como o país anda para frente e que está tudo se seguindo as mil maravilhas. Esse é o país que vai para frente, é o que ouço nas musiquinhas do rádio, mas fico hesitante por um minuto; ou então quando ouço que ninguém segura esse país. O país está aprisionado dentro de si. As obras que são anunciadas são como exemplo para dizer que a economia do país só cresce, mas eu não vejo esse crescimento no meu bolso. Trabalho como um burro e não vejo essa melhoria de fato, entretanto insistem em dizer como estamos bem. O que posso fazer? Só posso pensar no melhor para a minha família e continuar trabalhando.

Ouço a conversa de futebol dos meus camaradas. Incrível como Sandro se agita tanto por tão pouco em míseros segundos. Tiago ajeita a calça caindo. Preciso de um cinto novo, ele sobe-a pondo as mãos no bolso, infelizmente não tenho muita grana pra comprar. Paro na mesa e começo a ver meu dever. Há alguns papéis para preencher, provavelmente coisa do Doutor Osvaldo, deve ser algo importante. Sandro continua falando excessivamente sobre futebol. Gosta tanto de futebol que gostaria de ser um jogador antes, como todo garoto brasileiro quis ser um dia. Eu nunca apreciei demasiadamente tal esporte.

- Bem – Sandro fala ofegante –, eu vou indo. Tenho trabalho pela frente.

- Eu também.

Me despeço deles. Provavelmente Sandro estará no almoço para me aborrecer contando sobre coisas de sua vida não muito interessantes. Enquanto isso, o Tiago estará instalando novos pontos de telefone na cidade. A mesa é mais espaçosa do que eu gostaria: dá para colocar bastante papelada. Um dia hei de encerrar com tanto trabalho inútil. Vejo Sandro se mandar, pela última vez, com seu linguajar afiado para qualquer conversa.

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