XIII

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Sacudi minhas mãos. Eu estava tremendo excessivamente naquele tempo. Já não bastava o dia abafado e o suor na minha pele, agora sentia pavor com uma pequena dose de revolta. Mas o que basta a minha revolta, que é tão ínfima, para se desencadear em alguma coisa? Dizem que a vingança não leva a lugar algum, isso é falso, pode te levar para a destruição. Eu não queria ter que olhar para aquela maldita janela, mas olhava porque era bem melhor do que permanecer olhando para Carol e seu lacrimoso. O tique-taque do relógio apenas me deixa mais nervoso. Está um tanto empoeirada esse assoalho do escritório. Mas o que importa esse assoalho? Quero ir embora daqui logo. Parece que fazem essa espera para você ficar ainda mais zangado. Entretanto não estou zangado. Talvez eu seja mesmo um covarde que só consegue ficar bem com um cigarro na boca. Poderia ter feito um escândalo, porém adiantaria? Adiantaria de alguma coisa? Lá estaria o Doutor Osvaldo pego no flagra. Um grande filho duma puta. O diabo saiu e foi pegar a porcaria da papelada. Esses homens andam cheios de titica na cabeça. E dará o seu breve discursinho, tão insolente. Que moral tem o homem para fazer o que faz?

Ouço Carol soluçar. A mulher deveria estar em pânico. Preciso me mexer, preciso. Preciso... De uma forma ou de outra ele iria vencer. O grande Doutor Osvaldo, com seu bigode desprezível, sabe ousar como ninguém e agora, me pergunto, e agora José? Eu não protesto, sabe bem disso. Não, nada de bom veio. E a esperança? Que esperança? Espero em dias assim tão calados algum milagre. Creio em Deus e talvez eu deva ser um bobo de acreditar num milagre. Mas qual milagre? Alguma iluminação em mim, talvez, dentro de mim, consideraria já como uma intervenção divina. Não precisa ser muito, apenas ver as pessoas que eu amo já seria um verdadeiro milagre. Porque nos nossos tempos... A temperatura pode estar nas alturas, mas para mim é como um gelo que te deixa sem reação alguma, perde todos os seus sentidos. Um milagre. Vejo a senhorita jogar seus cabelos para frente, quer esquecer de si mesma. Um cigarro não cairia mal agora.

Carol agora está quieta. Continuo olhando para a cortina da janela. Ainda estou incrédulo com o que vi há poucos minutos atrás. O relógio reproduz uma dissonância tão horrenda que eu gostaria de quebrá-lo. Então eu a ouço falar comigo, uma voz fina, com medo e, de um jeito difícil de pronunciar, ela me pergunta:

- O que será de mim agora? De nós?

Não digo nada a ela. Procuro, com minha visão, a cortina da janela. Serei um perdido. Ela, o que será dela? Impossível saber e eu, pequeno como eu sou, jamais poderei dizer, apenas o tempo. Assim que sairei daqui tirarei um do maço e começarei a fumar.

- Eu... Me sinto péssima... – ouvi ela atentamente, mesmo que não olhasse para seu rosto – Nunca achei que passaria por uma coisa dessas. Bem, a gente nunca acha que isso vai acontecer com a gente. – Ela ficou em silêncio por bons segundos e, pelo seu tom, poderia estar a se debruçar num choro. Eu fiquei firme para não a ver de jeito nenhum – Por que? Por que? – ela disse de novo e entendia o que aquela repetição de indagar significava. E o mais dolorido era justamente não saber esse porquê. Eu não conseguiria dar a reposta. Por que é assim? Por que? Poderia ficar divagando em várias e várias coisas, grandes ou pequenas, em cada pensamento, em cada análise, em cada trato, ou em cada retrato, mas mesmo assim ainda assim dificilmente teria uma resposta definitiva. E a verdade, onde estaria? O que é verdade agora? Recuei para trás e, não desejando em ficar em rodando em raciocínios diversos, apenas esperei escutando aquele terrível relógio e aguardando o homem bigodudo para dar sua sentença final.

Inútil.



Carol estava calada. Eu queria falar, dizer tanta coisa que eu tinha presa aqui na garganta para dizer, mas fiquei quieto também. Infelicidade. Agora os desafortunados estão cada vez mais soterrados. Ouvi minha mãe ler para mim quando eu era moço – ela tinha o costume de ler aquele livro muitíssima vezes –, ". Ela encerrou de ler o versículo e fechou o livro. O que exatamente quer dizer, mãe?, perguntei a ela. Daí poucos dias depois ela faleceu e sequer estava numa idade assim tão avançada, muito menos doente. A morte é capaz de ser surpreendente. Mas o que queria dizer, mãe? O que queria dizer?

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