Capítulo 5

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   Na manhã da semana seguinte tomei o banho mais longo desde que cheguei. A água escorria lentamente pelo meu corpo quando me enrolei na toalha e encarei o meu reflexo no espelho. Ouvi o estalido da porta do quarto ao ser aberta e o barulho dos passos passeando pelo cômodo. Aposto que ele também demoraria para se acostumar com a minha ausência ali.
   — Claus? – chamei, ainda no banheiro.
   — Diga – falou se recostando com os braços cruzados no batente da porta.
   — Acha que consegue dar um jeito nisso? – perguntei segurando as pontas do meu cabelo.
   — Você quer dizer cortar?
   — Sim. Eu queria algo mais prático.
   — É claro. Qual o tamanho? – indagou se aproximando de mim e passou os dedos entre as minhas madeixas.
   Semicerrei os olhos pensativo e disse para ele como queria. Eu sentei para que ele pudesse ter uma visão melhor e Claus deslizou a tesoura pelo meu cabelo sem hesitação. As mechas azul-ferrete se amontoavam próximo aos meus pés. Seria a última vez que ele tocaria no meu cabelo.
   — Assim está bom? – perguntou ao terminar.
   — Está.
   Claus parecia se distrair observando os objetos do banheiro como se ele nunca os tivesse visto. Ele sempre foi uma pessoa controlada desde que nos conhecemos mas naquele instante as suas emoções estavam começando a transparecer.
   — Se você continuar com essa expressão depois que eu for embora, quem alegrará os meus pais e garantirá que tudo ficará bem?
   — Você está ficando cada vez mais persuasivo e não pense que irei lhe abraçar agora, está só de toalha – brincou ele e eu ri.
   De fato eu queria que ele me abraçasse mas ele tinha razão, eu estava só de toalha. E isso seria estranho demais. Saí do banheiro e Claus permaneceu lá pegando o cabelo espalhado pelo chão para jogar no lixo.
   Vesti a calça preta social e a blusa branca de alfaiataria que estavam sobre a cama. Coloquei a gravata ao redor do pescoço amarrei duas vezes ficando uma ponta para cada lado. Aquilo não tinha como ficar pior. Claus saiu do banheiro e pegou o colete da cadeira.
   — Como é que se coloca isso? – disse desfazendo o nó que dei na gravata azul-marinho.
   Claus me entregou o colete e ajeitou o meu colarinho e com alguns movimentos simples de mão o nó estava pronto.
   — Esse é um dos menos complicados.
   — Realmente. Desse jeito eu me sinto um idiota – falei colocando o colete.
   — Não diga isso. Eu sou o seu irmão mais velho, é a minha obrigação cuidar de você – fala ele e meus olhos ficaram marejados.
   Reconhecíamos um ao outro assim mas Claus nunca havia dito isso com todas as letras. Ignorei as lágrimas que escorriam pelo meu rosto e envolvi ele em um abraço apertado. Com o corpo dele contra o meu eu sentia os seus ombros tremerem. Claus estava chorando.
   Depois de nos acalmarmos Claus carregou a minha mala para a sala e eu o segui em silêncio com o blazer na mão. Ele me contou que quando passou pelo PGRP os Distritais costumavam ser rígidos quanto as regras e o que lhes era ensinado. Mas que também faziam o que podiam para que todos se sentissem acolhidos.
   Os pais dele trabalhavam para a família Bozasker e Claus cresceu naquela casa. Dois anos após se formar os seus pais morreram e eles assumiram a responsabilidade de continuar cuidando dele. Ele se tornou um guarda e passou a acompanhar Ernani e ajudar Daphne a administrar a casa. E oostava do que fazia. Quando chegamos no último degrau ele sorriu para mim levou a mala para a carruagem me deixando com a parte mais difícil.
   Ernani sussurrava algo para Daphne que concordava com a cabeça. Seus olhos brilharam ao me ver e ela veio em minha direção emoldurando o meu rosto com suas mãos. Ela me deu um beijo demorado na bochecha. Daphne não estava chorando mas provavelmente não estava longe disso. Ainda distante da gente, Ernani apertou a ponta dos dedos contra a palma da mão e depois soltou e se aproximou de nós.
   — Você vai acabar sufocando ele – brincou o meu pai.
   — Vocês não precisam ir se não quiserem.
   — Do que está falando? Estamos prestes a perder o contato com o nosso único filho, é claro que iríamos – falou Ernani e sua voz saiu instável.
   Eu engoli em seco e meu peito se apertou.
   — Tudo bem. Nesse caso é melhor nos apressarmos, prometi a Carter que passaria para buscá-lo.
   — Vamos.
   A carruagem comportava seis pessoas dentro dela e com apenas dois lugares sobrando, Carter poderia levar alguém da família dele para se despedir. No entanto, ao chegarmos na sua casa, ele estava parando diante da porta sozinho. Claus e eu descemos para ajudá-lo com a mala.
   — Cadê os seus pais? – quis saber.
   — Eles estão nos observando da janela do segundo andar – respondeu com o dedo indicador apontado para cima.
   — Ah.
   Lembrei da nossa conversa de dois dias atrás. Ele havia dito que não tinha problema em passar a tarde inteira longe da família dele, mas na verdade os pais de Max também não sabiam como lidar com a ideia de despedida mesmo que por pouco tempo.
   — Eles estão um pouco emotivos para nos acompanhar.
   — Entendo. E a propósito, trouxe uns doces que Claus preparou – falei para animá-lo.
   — Obrigado Claus, você é o melhor – diz ele fazendo um sinal positivo com a mão que Claus retribuiu.
   — Eu disse que foi eu quem trouxe – enfatizei.
   — Você fez um bom trabalho os transportando, agora passa para cá.
   — Nem pensar – retruquei abraçando a bolsa que estava comigo.
   — Claus me ajude – pediu Max me atacando.
   Meus pais riram de dentro da carruagem e tenho certeza que os dele também. Claus se meteu no meio tentando nos separar.
   Ao deixarmos a província onde Max morava o cocheiro teve que conduzir a carruagem mais rápido para que chegássemos a tempo. Ficamos durante todo o caminho conversando e o sorriso dos meus pais parecia mais real. Max já havia comido metade dos doces da caixa. Era impressionante o quanto de açúcar ele conseguia comer.
   Claus desceu primeiro e Max e eu o seguimos para pegar as malas.
   Suspirei enquanto eu tentava aos poucos criar coragem de cruzar os portões, virei de frente para os meus pais que se abraçavam. Percebi no olhar de Daphne e Ernani, por mais que eu não quisesse admitir tanto quanto eles que provavelmente a minha participação no programa não durasse só três anos. Com outro suspiro sacudi a cabeça. Eu era o filho único de um Chefe Provincial, não teria a menor possibilidade de passar seis anos no PGRP e me tornar o próximo presidente. O meu destino se traçou no momento em que aceitei ser herdeiro dos Bozasker. E estava feliz por isso. Ernani era um ótimo exemplo a ser seguido, assim como Claus e Daphne foram os melhores para mim durante todo o tempo em que estive com eles.
   Você nunca sabe quando vai sentir falta de algo até ter a sensação de perda. Caminhei até Claus e segurei a sua mão.
   — Cuide deles para mim – pedi.
   — Sempre – respondeu Claus.
   Dei um abraço apertado em cada um deles e Max e eu acenamos antes de cruzamos os portões. Me recusei a olhar para trás e ver a expressão de tristeza estampada em seus rostos.
   — Sejam bem-vindos – disse um homem alto de cabelos loiro-acinzentado. Um dos Distritais.
   — Obrigado senhor – falamos em uníssono.
   — Relaxem. Eu me chamo Yervant Walker e este é Keine Ackerman – falou indicando o garoto ao seu lado, aparentemente da nossa idade. — , ele será o responsável por vocês durante todo o progama. Keine irá explicar as regras para vocês e se precisarem de algo é só pedirem a ele.
   — Está bem – responde Max que me dá uma cotovelada de leve para despertar da minha distração.
   — É claro – digo desviando o olhar da garota de olhos azuis safira e bochechas rosadas pelo frio.
   — Me sigam – falou Keine.
   O lugar era dividido em três pavilhões com cinco andares cada. Os dois pavilhões laterais eram os dormitórios e o central era onde ficavam as salas de aula. Keine andava à nossa frente enquanto explicava cada detalhe. As aulas começavam no início da manhã e terminavam antes do fim da tarde e nos finais de semanas tínhamos folga para fazermos o que quiséssemos, desde que dentro dos limites do internato.
   Keine começou a falar sobre o refeitório mas eu já havia parado de escutar. A garota que vi na entrada caminhava em direção ao dormitório feminino com outras duas garotas atrás dela. O seu cabelo tinha um tom louro que iluminado pelo sol se aproximava de um rosa claro.
   — Thomas!? – chamou Max sacudindo o meu ombro e percebi que havia parado de andar.
   — Desculpe. Hm, quem é ela? – pergunto para Keine, apontando com o queixo na direção dela.
   — Uou. Não olhe – pediu Keine estendendo a mão na altura dos meus olhos.
   — Ela é encrenca? – indaguei.
   — Não. Você é encrenca. Ela é simplesmente a filha de um dos mais influentes e antigos Distritais. Loene Walker – concluiu ele.
   — Walker? – minha voz saiu rouca.
   — Exato. O senhor Yervant que os recebeu é o pai dela. Recomendo não mexer com a princesinha dele.
   Meu corpo petrificou. Keine tinha razão, essa tal garota era encrenca e seria péssimo para mim me apaixonar por alguém tão próximo aos Distritais. Eu teria que deixar o meu coração longe dela se quisesse manter em segredo tudo o que estava arriscando ali.

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