Um pouco mais de dois anos e meio haviam se passado desde que eu revelara a Keine a minha verdadeira origem. De imediato ele ficou em choque e disse que não deveríamos ter contado isso a ele, muito menos ali. Keine caminhou de um lado para o outro do quarto por horas tentando assimilar o caos que seria se os seus superiores descobrissem. Se o seu pai descobrisse. Ele ponderou por um tempo e ficamos em silêncio aguardando a sua decisão. Como nosso tutor, aceitaríamos sem questionar a escolha que ele fizesse.
Keine nos encarou com olhos suplicantes e desesperados e aos poucos aquela expressão sumiu do seu rosto. Por mais que isso o levasse a ser acusado de conspiração, Keine arriscaria a sua posição para que pudéssemos continuar sendo amigos. Ele nos disse que estava disposto a assumir toda a responsabilidade por nós se fôssemos descobertos. Max e eu nunca deixaríamos mas concordamos.
Cinco meses depois dessa conversa e de sair em alguns encontros com Loene, eu criei coragem e a pedi em namoro. Ela hesitou e quase pensei que fosse recusar mas com os olhos marejados disse que aceitava, porém eu teria que conseguir a permissão do pai dela. Naquele instante, me passou pela cabeça pedir à ela para mantermos só entre nós, no entanto logo descartei a possibilidade. Afinal, o pai de Loene era um Distrital, e em algum momento ia acabar descobrindo e seria péssimo para mim se ele decidisse me investigar.
Para a minha surpresa o senhor Yervant não se mostrou contra o nosso relacionamento e fez apenas uma exigência, que eu não fizesse a sua filha chorar. Me perguntei se ainda teria a mesma atitude se soubesse que eu não era quem dizia ser. Eu escrevi uma carta para casa contando sobre a novidade.
Por causa do nosso namoro os Distritais criaram uma nova regra para aqueles que tivessem namoradas no PGRP. Os encontros era permitidos somente nos dias de folga e depois do horário das aulas. O toque de recolher se tornou obrigatório para todos. Nenhum aluno podia ficar fora dos quartos depois das dez horas da noite.
Era o nosso dia de folga do final de semana, o que me garantia um passeio com Loene. Eu nunca havia demorado tanto tempo para escolher uma roupa, mas se tratava de uma ocasião especial e eu queria estar à altura. Queria estar digno do que estava prestes a fazer. Examinei o guarda-roupa e tirei uma camisa branca e outra azul com fios trançados na frente que deixei sobre a cadeira enquanto vestia a branca.
— O tempo passou tão rápido. Nem parece que daqui a alguns meses faremos dezenove anos e poderemos voltar para casa – diz Max deitado no chão com os pés sobre a sua cama.
— Verdade. Em breve estaremos de volta em nossas províncias e seremos os Chefes delas – respondi colocando a camisa azul por cima da branca.
— Me alegra saber que vocês anseiam para estar longe de mim – retruca Keine com o tom de voz cheia de tristeza fingida.
Max e eu trocamos olhares e esboçamos um sorriso.
— Não sabia que um tutor podia se apegar tanto a um aluno, ainda mais eles sendo filhos de Chefes Provinciais – digo.
— Esse é realmente um grande problema. Desde o começo eu já tinha conhecimento de que vocês só passariam três anos aqui e inevitavelmente acabei me afeiçoando aos dois. Acho que parte da culpa é de vocês – disse Keine evitando olhar para nós.
— Você poderá nos visitar se sentir saudades. As portas das nossas residências vão estar sempre abertas para você – consolo apoiando a mão em seu ombro.
— O Thomas é um péssimo jogador de cartas e agora ele tem Loene, eu irei precisar de uma nova companhia para ir nas confeitarias. Você é um ótimo candidato – brincou Max sentando com as costas apoiadas contra a cama.
Eu balancei a cabeça e ri. Max tinha hipoglicemia e isso o tornou um apreciador de doces, ele me arrastava para todos os cantos quando descobria uma doceria nova.
— Já que você está tão ciumento assim eu posso ficar, não terei problema nenhum em passar a tarde lhe dando atenção.
— Chega para lá – protesta Max tentando se livrar de um abraço apertado que lhe dou. — Keine tire ele de perto de mim.
Keine suspira e se levanta mas depois volta a se sentar.
— Melhor não. Não posso correr o risco dele pular em cima de mim – diz ele em sua defesa.
Com uma mão no meu peito para me manter distante ele grita para Keine.
— Seu traidor! – virando-se para mim ele completa. — Vá ver Loene. Não é hoje o grande dia?
— Oh. Sim é hoje – respondo o soltando, e lembro do nervosismo que estou sentindo.
Max aproveita a oportunidade e corre para trás da cadeira onde Keine está sentado.
— Que cara é essa? Não me diga que está hesitante por medo de alguma coisa dar errado? Logo você que teve que enfrentar tanta coisa para chegar aqui – pergunta Max ainda se escondendo atrás de Keine.
— Um pouco. Talvez seja só nervosismo.
— De todas as formas que podia perseguir um amor, você escolheu o caminho mais difícil, porém o único que lhe faria feliz. Agarre-o Thomas e não deixe ninguém tirá-lo dele – aconselhou o meu tutor.
Respirei fundo. Eu não tinha argumentos para contestar quando eles soavam tão convincentes. Os dois me lançaram um olhar confiante e não pude evitar abrir sorriso genuíno.
— Obrigado. Vocês são os melhores amigos que eu poderia ter.
— Onde ela está? – indaga Keine.
— Comigo – respondo batendo no bolso da calça.
Já estou com a mão na maçaneta quando Max grita para mim.
— Na volta traga um guardanapo para mim.
— De pano ou papel? – provoco, mais relaxado.
— Engraçadinho.
O guardanapo que Max queria era um bolo de forma triangular, com creme e salpicado de açúcar.
— Sinto que o meu nível de açúcar está quase baixo, não esqueça – pede ele fazendo drama e eu assinto fechando a porta.
Desço as escadas pulando dois degraus, não quero perder mais um segundo. Saio correndo pelos corredores ignorando os guardas que me pedem para ir devagar. Quando chego no jardim que fica na parte posterior do prédio dos dormitórios eu paro e arquejo. Inspiro e expiro várias vezes para que o meu coração desacelere.
As flores estavam começando a cair como o esperado. O sol deixava uma trilha dourada nas nuvens à medida que descia para trás das árvores de magnólias. Eu me distraí com aquele espetáculo da natureza que parecia tocar o meu interior. O farfalhar das folhas secas me fez recobrar os sentidos.
— Thomas.
— Loene – virei para encará-la e engoli em seco, ela estava estonteante. — Você está tão bonita, como sempre, mais até.
Ela usava um vestido vermelho com detalhes branco que realçava as curvas do seu corpo sem a deixar vulgar. Loene estava com o seu cabelo solto, durante a semana ele ficava preso em um coque com mechas soltas. Ela não fazia ideia de quão mais encantadora se tornava quando o soltava. Eu simplesmente amava todas as versões de Loene. A encarei sem dizer uma palavra por tanto tempo que notei a sua face ficar ruborizada.
Eu senti um frio tomar o meu estômago, agora que ela estava diante de mim não havia mais como desistir. As copas das árvores projetavam as suas sombras sobre a grama, envolvendo a de Loene. Caminhei em sua direção e segurei a sua mão para conduzi-la até o banco. Ficamos em silêncio por alguns segundos, lidando com o nosso próprio nervosismo de estar a sós.
— O céu está tão estrelado, não acha? – pergunto e ela apoia a cabeça em meu ombro, olhando para cima.
— Sim. Cada constelação tem a sua diferença em luz, brilho, distância que as fazem mais ou menos distinguíveis.
Sorri honrado por poder escutá-la falar sobre as coisas que gostava. Eu apoiei a minha cabeça sobre a dela e lhe revelo o primeiro dos segredos daquela noite.
— Tenho uma surpresa para você. Apenas espere – sussurro e ela se afasta.
Os olhos dela se acendem de curiosidade me encarando. Loene está prestes a protestar quando o primeiro pontinho de luz verde começa a brilhar no escuro. E eu deixo de ser o seu foco para que ela se concentre naquela pequena luz, seguida de outra e mais outra.
— Esse é o mais perto que eu posso fazer você chegar das estrelas – digo apontando para os vagalumes e como se esperassem essa deixa, mais deles surgem ao nosso redor.
Em nossos encontros Loene gostava de olhar para as estrelas, era como se ela ficasse mais perto de sua falecida mãe. Eu a entendia, mas não havia a menor possibilidade de comentar sobre o assunto. Me levantei do banco e puxei a caixinha vermelha do meu bolso.
— Loene Stella Van Walker, você aceita se casar comigo? – faço o pedido me ajoelhando.
A proposta repentina a faz arregalar os olhos verde esmeralda e perder a voz, então ela cobre a boca e balança a cabeça enquanto as lágrimas escorrem pela sua face.
— S-sim – consegue dizer com a respiração entrecortada.
Deslizei o anel que tinha formato de ramos entrelaçados e pequenos rubis, como uma rosa, igual a da história de conto de fadas favorita dela.
— Os meus pais já sabem do pedido e o seu pai, bem... ele me ajudou a conseguir o anel – disse voltando a sentar ao lado dela.
Coloquei a mão em seu rosto, acariciando a sua bochecha rosada pelo choro, e ela colocou a dela por cima da minha. Parecíamos inebriados com aquele momento, com a lua nos espiando e os vagalumes que nos cercavam. Então nos aproximamos devagar, olhando um nos olhos do outro.
Loene se inclinou timidamente para frente como se não aguentasse mais e me deu um beijo na bochecha. Aquilo foi mais do que o suficiente para me encorajar e puxá-la para mais perto de mim. Nossos lábios se tocaram de leve e o seu batom tinha um sabor de morango, eu me controlei para não mordiscar o seu lábio inferior. Senti uma corrente de eletricidade correr pelo o meu corpo, como se fosse o nosso primeiro beijo.
Segurei a mão dela pousada em seu colo e uni as nossas bocas. Um beijo doce e carinhoso como os outros. Um beijo cheio de promessas a serem cumpridas e juras de eternidade de nós dois juntos apaixonados, selando o presente e sonhando com o futuro. Aquele instante só me deu mais certeza de que Loene valia todos os riscos que eu corria por ser simplesmente quem eu era.
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O Diário do Presidente
Misterio / SuspensoEm Distrit Ind a sucessão de presidentes não tem fim. Por trás de cada morte existe um mistério, ou melhor, um segredo que os Distritais não conseguem desvendar. Após a repentina morte de Grayth Luster, o último presidente, Thomas assume o seu lugar...