Capítulo 10

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Depois que os filhos dos Chefes Provinciais retornaram para as suas residências, os Distritais anunciaram os nomes dos cinco garotos que formariam o Pentágono. O grupo começou a ser educado com um rigor quase militar, nos foi ensinado tudo sobre a parte de administração de um governo. Contudo, para não nos desconcentrar nesse processo de aprendizagem, não sabíamos nada do que estava acontecendo fora daqueles muros. Os Distritais que estavam a mais tempo no cargo eram mais rígidos e procuravam fazer de nós chefes de estados perfeitos. Sem nos deixar levar pelas emoções, que fôssemos capaz de agir com frieza diante de qualquer situação.
O nosso grupo foi realocado para outro pavilhão. Os novos quartos tinham duas camas,porém eram maiores que o que estávamos. Uma enorme estante de livros ocupava uma das paredes do quarto, também havia uma mesinha com quatro cadeiras e os guarda-roupas próximo de cada cama. Os outros garotos receberam novos tutores. Eu era o único que ainda permanecia com o mesmo tutor, já que Keine não precisava mais cuidar de Max que havia ido embora.
Os demais setenta e um alunos passaram a estudar em turmas mistas. Alguns dos membros da Elite Indy foram convocados para se encarregarem do treinamento deles. Eles passariam por todos os testes práticos de combate de lutas e o manuseio de espadas antes de integrarem a formação, e seriam divididos conforme a habilidade que demonstrassem. Assim que o programa chegasse ao fim os novos guardas já assumiriam os seus postos, diferentemente do grupo do Pentágono.
- Está tão difícil assim? - pergunta Keine me fazendo despertar do meu transe momentâneo.
- Ah, eu me distraí - digo voltando a olhar para os papéis sobre a mesa.
- Nunca vi você demorar tanto para resolver algumas questões. Sabe que eu não posso responder o trabalho por você, mas se quiser poderei fazer isso.
Eu sorri. Seria mais uma regra que Keine quebraria por mim. Alguns dias depois de eu ter esbarrado com Brian quando conheci Loene, descobrimos que os tutores tinham total permissão para repreender os seus alunos, porém não podiam usar de violência. Por sorte, Brian parecia não ter conhecimento disso ou Keine estaria encrencado.
- Tudo bem. Eu consigo resolver.
- O que está lhe incomodando? - indagou ele em sussurro para que o Distrital não ouvisse a nossa conversa paralela.
- Nada demais. É só que às vezes tenho medo de perder o controle da situação e acabar colocando todos em risco. Eu não posso cometer nenhum erro nos próximos dois anos - respondo no mesmo tom que ele.
- Um ano já se passou desde que Max saiu, e eu prometi que cuidaria de você e o farei.
- Você não precisa se responsabilizar por isso.
- Eu descumpri o juramento que fiz como herdeiro de um Distrital quando decidi guardar o seu segredo deles. Não há como voltar atrás Thomas e não me arrependo. Farei de tudo para mantê-lo seguro.
Abro a boca para dizer que ele não precisa ir tão longe por mim, mas o Distrital que está em pé de frente para a turma lança um olhar torto para nós. Abaixo a cabeça e volto a focar nos papéis.
- Obrigado - digo dando um soquinho de leve em sua mão.
Quando a aula terminou, eu avisei para Keine que iria me encontrar com Loene. A frequência dos nossos encontros diminuiu para uma vez por mês. Eu tinha que usar todo o meu tempo livre para aprender e me dedicar inteiramente a me tornar uma perfeita máquina de governar. Era desse modo que eu e os outros nos víamos. O método de ensino era extremamente rígido e eu tinha receio de acabar perdendo as minhas emoções.
Como filha de um Distrital assim como Keine, ela já sabia sobre a decisão deles de me manterem no programa e por esse motivo estava me evitando. Loene temia acabar me contando algo que ela não tinha permissão para falar. Ela estava preocupada que eu ficasse chateado mas seria impossível para mim, até porque eu escondia um segredo dela desde que nos conhecemos.
- Ainda não acredito que a gente vai ter que esperar mais vinte e quatro meses para estar finalmente casados.
- Eu sinto muito por não poder ajudar a convencer o meu pai a desistir da ideia de manter você aqui - diz Loene deitada com as costas contra o meu peito.
A grama debaixo de nós estava fria e me fez a envolver em um abraço apertado. O toque dela brincando com a ponta dos meus dedos me dava a certeza de que aquilo era real. Antes de eu tê-la em meus braços, eu não sabia que o meu mundo podia se encher de tanta luz. Era um amor que eu passei a desejar sem medo, apesar do que eu ainda não conseguia lhe dizer. Loene me amava e eu não imaginava mais um futuro sem ela ao meu lado.
- Pois eu agradeço por você não ter feito nada - digo, o que a faz se levantar virando curiosamente para me encarar. - Se eu tivesse saído, nós teríamos nos casado pouco depois e você retornaria para o PGRP. E nós passaríamos os próximos três anos longe um do outro. Que bom que aceitei ficar.
Eu estava mais alto do que na época em que começamos a namorar, e Loene parecia tão pequena e adorável sentada entre as minhas pernas. Com o corte de cabelo mais curto as suas pontas onduladas haviam sumido, e a brisa suave deixava o seu pescoço um pouco mais amostra. Os seus olhos esverdeados se encheram de lágrimas e eu emoldurei o rosto dela com as mãos e me aproximei lentamente. Eu a observei fechar os olhos e o espaço que nos separava desapareceu. O batom em seus lábios ainda tinha o mesmo sabor de morango. O beijo foi um misto de euforia e certezas o que me fez relembrar os mesmos sentimentos de quando a pedi em casamento.
Me despedi de Loene em frente ao seu dormitório e eu sabia que só voltaria a vê-la depois de algumas semanas. Teria que me contentar com o nosso encontro daquela tarde para conseguir suportar todos os ensinamentos dos Distritais.
Abro a porta do quarto e Keine ergue algumas folhas de papel na minha direção. Eu solto um gemido em protesto e ouço o estalido da porta contra o batente. Sentei do outro lado da mesa e escondi um bocejo com a mão, seria mais uma daquelas noites longas.
Continuamos seguindo a mesma rotina de estudos e treinamentos durante os meses que se seguiram. As aulas às vezes se tão tornavam cansativas que quando eu retornava para o nosso quarto acabava dormindo sobre os livros, e ao acordar na manhã seguinte Keine já havia resolvido as questões restantes. Ele era o tipo de amigo que quebraria todas as regras por você. Max ficaria feliz de saber que eu estava bem amparado.
Eu mal conseguia acompanhar a mudança das estações e quando me dei conta faltava apenas dois dias para eu voltar para casa. Com a ajuda de Keine eu arrumei as malas e nos preparamos para a cerimônia de encerramento. Os setenta e seis alunos deixariam o PGRP juntos. Enquanto os integrantes do Pentágono retornariam para suas casas até serem convocados pelos Distritais, a primeira turma de guardas mistos iniciariam o seu ingresso na Elite Indy.
Vesti o blazer de cor azul-caneta com detalhes em dourado que vermelho que era realçado pela calça azul-marinho. Coloquei a gravata ao redor do pescoço e ajeitei o colarinho. Mais de cinco anos no programa me fizeram aprender não só sobre o país, mas também a como dar um nó de gravata sozinho. Essa era a roupa oficial que nós do Pentágono usamos nos últimos três anos. Olhei a minha imagem refletida no espelho e sorri comigo mesmo, orgulhoso.
Nos reunimos na área externa onde ficava o pátio central e todos pareciam bem relaxados. Estávamos completamente alheios ao que acontecia nas outras províncias, o nosso único objetivo era absorver tudo o que nos fora ensinado. Porém, algumas vez eu escutava os comentários internos de que Grayth Luster se mostrava um ótimo governante, mesmo que estivesse começando a divergir com os conselheiros e Distritais.
Fomos dispensados poucos instantes depois Keine e eu aproveitavamos para terminar de esvaziar o quarto. Ele me disse que voltaria para a Torre Distrital, assim como os outros tutores e os guardas formados no PGRP. Antes de partir ele relembrou da promessa de Max e garantiu que nos encontraria para comemorarmos e eu assenti.
Claus estava recostado no carro preto e eu inconscientemente corri em sua até ele que me recebeu com os braços abertos. Muitas coisas haviam mudado desde que eu entrei no programa e agora o meu irmão mais velho era um Chefe Provincial.
- Me desculpe por lhe colocar nessa situação - falo ainda com o rosto afundado em seu ombro.
- Está tudo bem. Eu imagino que o fardo que você carregou foi muito maior do que isso. Esse é o mínimo que eu posso fazer pelo meu irmãozinho.
Apertei os dedos contra a palma da minha mão e permiti que as lágrimas escorressem pelo o meu rosto. Ele afagou a minha cabeça de um jeito que só ele sabia fazer sem bagunçar o meu cabelo.
No caminho para casa, Claus me contou sobre os novos meios de transporte e comunicação que foram criados com a tecnologia adquiridas de Clermont. No entanto, eram poucos que possuíam carros e telefones fixos. Para alguns camponeses nada havia mudado.
Daphne e Ernani ficaram de pé assim que eu soltei as malas no chão e atravessei a sala.
- Meu querido, bem-vindo de volta - diz a minha mãe me apertando em um abraço sufocante.
- Não sabe o quanto ansiamos pelo o seu retorno - fala o meu pai ternamente e seus olhos entregam que ele chorou antes da minha chegada.
Eu sorrio envolvo os dois em mais um abraço. Não lembrava de sentir tanta falta do calor deles até ter essa sensação novamente. E de repente lembro de algo importante.
- Ah, Loene virá amanhã para conhecê-los.
Daphne solta um gritinho agudo com a minha revelação e bate palminhas. Por causa do treinamento nós não podíamos sair para que eu a apresentasse aos meus pais.
- Estou ansiosa para saber como é a garota que conquistou o coração do meu amado filho - comenta ela apertando as minhas bochechas. - Quero começar a planejar os detalhes do casamento.
- Tenho certeza de que vocês se darão bem e farão a melhor cerimônia.
O meu corpo pedia por um descanso e a nossa conversa durou só até o cansaço me fazendo adormecer no colo de Daphne. Com os olhos fechados eu sentia o acariciar de seus dedos pelo meu cabelo e aos poucos a minha mente estava completamente entregue ao sono.
Despertei no meu quarto, era tão reconfortante estar de volta. Os móveis estavam diferentes, ainda assim, os novos permaneciam no mesmo lugar que os anteriores. Levei alguns minutos para tomar banho e me vestir. Desci e vi Claus sentado à mesa com meus pais, ele levantou e puxou a cadeira ao seu lado para que eu me sentasse. Loene veio no início da tarde e foi embora antes do anoitecer. Como eu esperava, a afinidade das duas foi imediata.
Nos dois meses que decorreram fui ao alfaiate com Max e Keine, eu gostaria que o meu pai e Claus tivessem ido conosco porém eles andavam bem ocupados tentando resolver a tensão na Torre Distrital. Em todas as vezes Max nos fazia visitar uma confeitaria no caminho. Daphne e Loene disseram que cuidariam dos preparativos para o casamento e me dispensaram para que eu não atrapalhasse. Faltava poucos dias para que ela se tornasse minha esposa.
A última vez que Claus me acordou eu tinha dezesseis anos e não esperava que ele me acordasse desesperadamente naquela manhã.
- Thomas, acorde. O senhor Yervant está lá embaixo lhe esperando - diz ele se esforçando para manter a calma.
Ao ouvir o nome dele eu desperto no mesmo instante e a única coisa que me vem a mente é Loene. Os rebeldes voltaram a agir nas semanas anteriores e senti um aperto no peito ao pensar que ela pudesse estar machucada. Me troquei rapidamente e desci as escadas com Claus logo atrás.
- Como está Loene!? - perguntei exasperado.
- Loene? - indagou Yervant confuso. - Ah, devia ter imaginado que você acharia isso, mas não se preocupe ela está segura. E, bem, o assunto que me trás aqui é outro, ainda que de certa forma afete ela também.
- Como assim?
- Você terá que adiar o casamento de novo. Os Distritais precisam que você esteja preparado para assumir o cargo presidencial, é o mais qualificado - diz ele com um pontinha de frustação.
- Espera, isso significa que... - começo hesitante.
- Sim. Grayth Luster está morto - afirma Yervant para o meu assombro.
Fui tomado pelo choque e minha cabeça começou a girar. Não importava de quantas maneiras eu quisesse, não havia como Yervant estar mentindo e aquela frase ecoou nos meus pensamentos. No fim não há realmente como mudar.

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