Ternos e Lambidas

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Avenida Mainside. Armstrong, Rebecca.

Leio no último milésimo antes do carro passar pelo letreiro de uma funerária com o nome de "Thompson's", e encosto minha cabeça no vidro, encarando os próximos borrões coloridos, levados pela velocidade. Respiro fundo.

O funeral do meu tio foi sábado, todos lá de casa foram menos minha mãe. No fundo, eu já sabia que ela sair de casa não iria acontecer. Fico pensando o quão eles também eram próximos, minha mãe que quis que ele fosse meu padrinho e obviamente iria querer estar presente no velório. Mordo minha bochecha.

Acredito fielmente que, se eu descobrir a verdade sobre meu tio, descubro quem é Robert Armstrong também. E, finalmente mais sobre o verdadeiro estado da minha mãe. Esse é meu foco. Robert, meu pai, o alvo.

Decido deixar esses pensamentos de lado pela manhã para não ficar doida logo cedo.

O trânsito se prolongava logo mais a frente no cruzamento próximo a escola graças a um acidente. Freen se mantia concentrada, com seus olhares penetrantes direcionados a fileira de carro que se formava.

-Como dormiu essa noite? - Freen perguntou pela segunda vez em dois dias seguidos.

-Por que a pergunta?

-Fiquei 3 dias sem dormir depois que meu vô morreu - Freen diz, simples.

Acabo não disfarçando minha cara de "sinto muito" e ela sorri, me olhando.

-Tá tudo bem, já faz alguns anos e eu já estou bem melhor. Eu só te disse isso porque sei que não é fácil lidar com essas situações, principalmente algo de repente.

Ela está certa, não é fácil. Mas não acho que tô pronta para conversar sobre, e muito menos com a guarda-costas, então decido mudar o rumo da conversa.

-Freen, você malha?

Ela pareceu surpresa.

-Eu faço boxe. Quer dizer, fazia - Os carros voltam a andar.

-E por que parou?

-Então...Eu estava precisando mais de dinheiro do que treino - Freen me olhou de relance - e, por isso eu priorizei meu novo emprego e sua carga horária.

Fiquei batucando a janela do carro, pensativa.

-Que dias você tinha boxe?

-Segunda, sexta e domingo - Ela diz.

-Então se matricule de novo. Eu não me incomodo de te esperar...O que, duas horas?

-Você não precisa fazer isso, sério. Eu me adapto a sua rotina, não ao contrário - Freen explica e eu reviro os olhos.

-Eu não tô nem aí pras regras de trabalhador que você tem estabelecidas na sua cabeça, eu não me incomodo, então você pode voltar a fazer boxe que eu te espero lá durante a semana. Estamos de acordo?

Freen joga seu cabelo pra trás de uma forma irritantemente atraente e respira fundo, parecendo pensar.

Tô desde sete horas da manhã tentando não reparar no quanto Freen fica ótima de terno, e em como ela sempre lambe os lábios antes de quase todas as falas. Quem foi o deus grego que inventou essa combinação de ternos e lambidas?

Meu deus, eu tô fora de mim. Dou um tapa no meu braço e Freen franze o cenho.

-O que foi isso, senhorita Armstrong?

-Tinha um mosquito - Dou uma risada nervosa.

-Ok, mas voltando ao assunto do boxe, estamos combinadas. Mas se isso começar a atrapalhar sua rotina eu saio.

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