Olhos Cinematográficos

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— Agora você precisará usar óculos sempre que for ler livros, ou mexer no celular ou até mesmo ler rótulos. —o oftalmologista me explicou.

— Eu ainda nem tenho 40, como posso precisar de óculos?

— Não é a idade que define precisar ou não de óculos, fique tranquilo, o senhor ainda está enxergando. —riu leve.

— Senhor né.

Eu poderia não ter a memória inacreditável de Maria Alice, mas eu tinha olhos aguçados com um olhar cinematográfico. Foi um adjetivo que Alice criou para denominar as habilidades de registrar imagens cotidianas como em um filme.

— Não aponte esse celular pra mim. —reclamou em meio ao edredom. —Meu cabelo está bagunçado além da minha cara inchada.

— Você está perfeita para tirar uma foto, por favor, eu irei guarda. —em um click simples de uma manhã qualquer eu obtive a imagem que carrego até hoje em minha carteira.

Joseph Niépce, considerado o criador da fotografia no ano de 1826 na França, na realidade muito antes as fotos já estavam sendo criadas a base de experimentos. Penso que a maior motivações dos cientistas era a tentativa de matar a saudade, mesmo que de forma mínima.

— Não creio que você guardou essa foto! —Maria Alice exclamou em tom de repreensão.

— Eu disse que guardaria, você está linda nela amor. —peguei minha carteira de volta.

As memórias se vão com o tempo, detalhes de situações vividas serão apagadas. Eu acho que é por isso que eu gosto tanto de fotografia, uma pequena pressão com o dedo em um botão e pronto, um momento eternamente registrado.

— Você não gostou dessa? —apontou para uma de outras muitas dos registros do casamento.

— Sim, é linda. —estavamos escolhendo uma para emoldurar e pendurar em uma das paredes da sala de estar.

— Essa ou essa? —apontou novamente.

— Eu acho que prefiro essa. —retirei da minha carteira.

— Você ama essa foto não é?!

— Amo cada pedacinho de papel que você está registrada. —Alice levantou do assento ao meu lado e pegou minha câmera.

— Sorria.

— Eu não gosto de tirar fotos assim. —reclamei colocando as mãos no rosto.

— Somente essa por favor. —assim como pedido foi feito.

Os olhos cinematográficos que Alice amava envelheceram, e eu tive a certificação disso não somente aos 37 quando precisei começar usar óculos mais também quando tirei o pó acumulado da máquina fotográfica.

— Pai, o senhor vai guardar todas essas máquinas e cartões de memória? —Anabel perguntava encarando a caixa.

— Sim, vou guardar.

— Isso é transtorno acumulativo. —brincou.

— Não são somente câmeras são as memórias de sua mãe, deixe todas guardadas.

Ponderando melhor, as fotos não são destinadas para matar a saudade porque nenhuma delas foram tiradas para esse propósito.

— Cidade de fim de mundo. —falei.

— É interior do interior esperava o que? Deve ter uns cinco mil habitantes só. —Maria Alice disse se sentando no banco da praça após rodamos o centro da cidade.

— Não tem absolutamente nada aqui?

— O que tem é isso, uma igreja e duas sorveteria, esse é o centro da cidade.

— Pelo menos é uma cidadezinha bonita.

— Bonita não sei aonde.

— É só olhar por outro ângulo. —tirei uma foto e mostrei.

— Apareci na foto sem querer. —disse.

— Sim eu sei.

As fotos servem para relatar memórias e consequentemente matam a saudade de um tempo que não volta mais. As minhas recordações de Alice estavam presas a mim e aos diversos minis cartões de memória, as minhas mais belas e grandiosas memorações dentro de um um chip tecnológico do tamanho da digital do mindinho.

Minha Alice pra sempre será grandiosa em minha memória.

— Olha essa foto que tirei de sua mãe quando ainda éramos jovens. —estiquei a carteira que mesmo nova permanecia com a foto velha dentro.

— Vocês eram mesmo apaixonados, mamãe também carregava uma foto sua jovem na bolsa.

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