Polisipo ou Anabel

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Polisipo, uma palavra grega que significa intervalo na dor, uma interrupção. Conheci essa palavra quando levei Anabel para tomar sorvete junto a Maria Alice.

— E qual sabor você vai querer? —minha esposa perguntou.

— Eu não sei. —respondeu simples olhando admirada para as diversas cores na vitrine.

— O meu preferido é aquele e aquele, é morango e chocolate. —apontei mostrando pra ela.

— E o meu é aquele com creme e morango. —Maria Alice mostrou.

— Vocês podem escolher pra mim?

— Claro meu anjo. —Maria Alice escolheu os nossos três sabores preferidos e colocou em uma casquinha.

Nós sentamos na mesa e conversamos em como estava a pré escola e sobre como era nosso apartamento, explicamos para Anabel que ela poderia decorar da maneira que ela quisesse o quarto que dormiria.

— Me desculpa, foi sem querer, caiu da colher. —Anabel com os olhos cheios de lágrimas dizia rápido olhando em nossos olhos e logo abaixando a cabeça e ficando quieta.

— Não precisa se desculpar vamos só limpar. —peguei o guardanapo e passei na blusa rosa de mangas largas dela. Eu vi o rosto dela se suavizar e seus olhos sorrirem.

A certeza de que minha filha agora teria uma família de verdade com o amor que ela merece me dava uma leveza. Tenho certeza de que Miguel estaria muito feliz com a irmã.

As coisas acontecem por alguma razão, ou não, simplesmente acontecem. Querendo ou não tragédias vão acontecer por mais que tente evitar, a vida não é um morango, não está no nosso total controle. A única coisa que podemos controlar é como vamos reagir aos fatos.

Meu filho não teve uma vida longa.
Meu filho morreu.

— Coma algo, filho. —minha mãe me entregou um misto quente e um copo de chá.

— Obrigada mãe, mas estou sem fome.

— Você precisa comer.

— Eu preciso ir ficar com a Maria no hospital.

— Faz nem uma hora que você saiu de lá.

— Eu sei. —dei um beijo na testa dela e peguei a chave do carro.

Naquele dia minha cabeça estava turva, lembro de só querer sentar e chorar por dias até desidratar.

Preciso ser forte.
Intercorrências obstétricas acontecem.

Acho que foi por causa da minha dor de cabeça eu não prestei atenção no trânsito e acabei batendo em um poste de luz, não me feri muito, foi só um arranhão no braço. Definitivamente pilotar ou dirigir não era pra mim, já era o segundo acidente que eu me envolvia. Era um arranhado tão insignificante e eu chorei tanto por ele, chorei de soluçar e até faltar lágrimas. Quando a ambulância chegou eu ainda chorava, chorei até para fazerem o acesso em meu braço para a entrada de soro.

Não consegui ser forte. A forma que eu agia perante a dor do luto não estava sob o meu controle.

— O que aconteceu com seu rosto? —Maria Alice perguntou se sentando na cama hospitalar.

— Tive um pequeno acidente vindo pra cá, já está tudo bem.

— Acidente? Você caiu?

— Ativei o seguro do carro, mas não foi grande coisa.

Maria Alice desabou, foi a última vez que a vi chorar daquele jeito.

Quando éramos pequenos Alice passou em frente a um balanço enquanto outra criança brincava, consequentemente Maria foi jogada pra longe e bateu o ombro em uma pedra. A ferida ficou roxa e ela chorava muito, foi colocado gelo e pomada. Vendo Maria Alice soluçar na cama me lembrei disso, infelizmente não se pode colocar gelo e passar pomada para melhorar o luto. O medo de me perder junto com a perda de Miguel foi o estopim para ela.

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