astronomia

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Uma vez eu conheci um garoto que queria estudar astronomia.

Ele só me disse isso. Eu perguntei o que ele gostaria de fazer quando acabasse o ensino médio, ele pensou um pouco e respondeu "eu queria fazer faculdade de astronomia".

Depois disso, eu me formei e nunca mais o vi. Não sei se ele está na faculdade, ou se foi para o exército como o pai queria, ou se escolheu fazer algo completamente diferente. Não sei e gosto de não saber, porque eu posso criar mil e um futuros para ele.

Eu o imagino como um astronauta, viajando entre as estrelas, descobrindo galáxias e planetas. Eu o vejo nadando no ar, fugindo da gravidade da terra, conversando com outros astrônomos que chegaram até lá. Um caminho longo e difícil, desde passar na faculdade, até chegar em uma grande empresa espacial, como a Nasa.

Ele já teria barba e o cabelo cacheado estaria um pouco mais curto, o rosto mais maduro, mas o sorriso continuaria ali, cheio de sonhos e vontades. Ele já teria feito pesquisas e estudos sobre cada planeta do sistema solar, se focando também naquele astro que já não faz mais parte do grupo, Plutão. Ele já teria descoberto três constelações e criado nomes inteligentes para cada uma delas.

Em outra vida, eu o imagino escolhendo uma faculdade de literatura ou letras, porque eu me lembro de vê-lo escrevendo, sentado na grama da escola durante alguns intervalos. Ele escrevia poesias, rimas que expressavam sentimentos que eu não entendia, porque eu não o conhecia o suficiente para entender. Nunca me aproximei o bastante para entrar na cabeça dele e saber o que se passava ali. Mas eu o imagino na faculdade, com um caderninho sempre no bolso, pronto para esboços de pequenos poemas que surgissem em sua mente.

Talvez ele publicasse um livro, onde cada página possuísse uma de suas poesias lindas. Eu o compraria e leria cada palavra como se tentasse decifrar um enigma, embora ele nunca tenha parecido muito complicado. Ele passava aquele sentimento de pessoa leve, do tipo que flutuaria e alcançaria as estrelas se a gravidade não o segurasse na Terra.

Em mais uma vida, eu o imagino no exército. Não sei se ele realmente queria ir para lá, mas me lembro de ouvi-lo falar vagamente sobre tentar, porque seu pai tinha ido, seu avô tinha ido, seu bisavô... Enfim, uma grande linhagem de família, como se fosse uma tradição. Mas nunca achei que fosse muito a cara dele.

De qualquer forma, poderia imaginá-lo usando a farda e dormindo em um acampamento militar, treinando e torcendo, com toda a sua força, para que nenhuma guerra começasse. Por que quem é que iria querer algo assim?

Depois, tento fazer minha imaginação voar, procurando por qualquer outro detalhe que deixei passar. Fico pensando no que mais ele poderia estar fazendo, se escolheu algum outro curso que eu nunca poderia ter adivinhado, como engenharia elétrica ou medicina veterinária. Quem sabe?

A sensação de pensar sobre alguém que provavelmente nem se lembra de nós é esquisita, como se eu perdesse tempo pensando sobre um desconhecido. Ainda mais estranha é a sensação do quanto alguém pode marcar sua vida com somente algumas frases jogadas fora em conversas simples durante o intervalo da escola ou durante a pausa de um jogo.

Ah, é. Ele também jogava vôlei, mas naquela escola todo mundo jogava. Parecia algum tipo de acordo silencioso que eu não tinha sido incluída, todo mundo sabia jogar vôlei. Nem todos eram bons nisso, mas todos entravam uma vez ou outra na quadra e lutavam para quem iria pegar a bola primeiro e iniciar o jogo.

Eu me sentava, próxima da mesa de ping pong, e assistia pessoas que eu conhecia jogarem uma bola pro alto, torcendo por alguns amigos que realmente eram bons naquilo, rindo de outros que simplesmente não levavam jeito pra isso, mas sempre ali. Eu gostava de ser a telespectadora, eu sempre gostei da ideia de simplesmente estar ali, observando, como um pequeno inseto que flutua ao redor das pessoas, ouvindo segredos e assistindo momentos.

Embora, talvez, eu tenha perdido algumas chances de fazer parte desses mesmos momentos, mas isso foi melhorando com o tempo. Eu diria que tenho uma boa quantidade de momentos agora. Enfim, não era para estar falando sobre mim. Estávamos falando sobre o garoto que queria estudar astronomia.

Eu nunca tinha pensado sobre estudar os astros. Eu entendia astrologia, confesso não saber mais tanto sobre isso, foquei em outros assuntos de estudo na minha vida e, hoje, não sei muito mais do que estereótipos sobre cada signo e os três mais importantes do meu mapa astral, o sol, a lua e o ascendente, são os mais importantes, não? Pelo menos eram os que a menina que carregava pedras no bolso na escola perguntava frequentemente para as pessoas. Talvez eu escreva sobre ela em algum outro dia.

Bem, mas na época do garoto que queria estudar astronomia, eu entendia um pouco mais sobre astrologia. Sei que são coisas diferentes, antes que comecem a me julgar, tenho noção de que são estudos totalmente distintos, mas ambos falam sobre astros de certa forma e eu, uma adolescente boba, só tinha esse conhecimento sobre as estrelas.

Eu acreditava em destino, acreditava que ver horários iguais no relógio eram sinais e que uma estrela cadente realizaria qualquer pedido que fosse feito com vontade o suficiente. Não faço ideia se ainda acredito nessas coisas, talvez sim. Eu ainda gosto de imaginar tudo isso como algo mágico, eu ainda gosto de fingir que a vida pode ser destinada, que é só esperar por sinais do universo que, em algum momento, tudo ficaria bem.

Não tenho ideia se ele pensava assim também, mas tenho certeza que ele não pensou em nada disso quando disse que queria estudar astronomia. Na verdade, não sei exatamente o que chamava tanto a atenção dele para querer estudar algo assim. Seriam as estrelas? Seria a forma como as luzes no céu piscam pra nós e nos chamam como se estivessem tão perto, mas, na verdade, estão a quilômetros de distância? Estão a tempos de distância. Afinal, olhar para o céu é olhar para o passado, cada estrela que nós observamos já não está mais ali.

Talvez ele tivesse algum fascínio pela beleza do céu. Talvez ele quisesse estudar como a velocidade da luz funcionava. Talvez ele quisesse tentar descobrir uma forma de que o olho humano conseguisse ver a realidade na hora em que ela acontece, conseguisse ver exatamente como o céu está no segundo em que se olha para cima. Ou talvez ele só gostasse de estrelas. Talvez ele achasse poético. Talvez ele tenha dito isso só porque achava a ideia de poder dizer "sei tudo sobre estrelas" muito legal. Talvez não fosse nada muito profundo. Quem sabe?

O garoto que queria estudar astronomia e agora está bem longe de mim, como um astro. Como dois meteoros caídos em locais distantes, que se viram rapidamente durante o caminho para dois destinos completamente diferentes.

Será que te verei mais uma vez, garoto da astronomia? Será que um dia lerei uma matéria no jornal e uma foto sua estará lá, falando sobre um buraco negro, falando sobre uma nova lua, falando sobre o que quer que fosse seu interesse em astronomia afinal? Talvez. Talvez eu te veja mais uma vez quando virarmos estrelas e dividirmos uma pequena fração do espaço.

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