covinhas

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Uma vez conheci um garoto que tinha covinhas nas bochechas.

Eu o vi pela primeira vez enquanto cantava em um karaokê em uma sala quase vazia na faculdade. Eu não sabia quem ele era. Ele cantava com um sorriso no rosto lá na frente, com um microfone nas mãos enquanto eu estava sentada lá atrás, na ultima fileira de cadeiras. Naquele momento, eu nunca adivinharia que ele se tornaria alguém na minha vida.

O garoto com covinhas nas bochechas gostava da chuva. Ele tirava fotos do céu da janela de seu quarto e era a única coisa que postava nas redes sociais. Eu chegava em casa depois de sair do ônibus e pegar chuva por uns 15 minutos andando até em casa para olhar meu celular e ver uma foto linda do céu chuvoso. Uma foto das ruas que eu tinha acabado de andar completamente encharcadas de água. E uma música bonita junto.

Porque o garoto com covinhas nas bochechas também gostava de música. Ele não só cantava em um karaokê uma música meio depressiva que repetia "Im a creep, Im a weirdo", mas também escrevia lindas músicas e as tocava em um violão. Ele era o tipo de pessoa que vinha com uma trilha sonora, alguém que eu conheci e instantaneamente me deu uma playlist de músicas que me fazem lembrar que ele existe.

Fiquei completamente hipnotizada pelos dedos dele nas cordas enquanto ele tocava violão em minha frente. Ele era bonito, o menino com covinhas nas bochechas. Ele não sorria tantas vezes quanto eu esperava que sorrisse, mas ele era uma pessoa muito positiva, mais do que eu, com certeza.

Uma vez, ele ficou preso pra fora da própria casa, mas disse que, mesmo assim, ainda estava sorrindo. Eu sorri de volta olhando a mensagem, mesmo que ele não estivesse me vendo. "Por que?", perguntei. "Porque a vida é bela", ele disse.

O garoto com covinhas nas bochechas que era contra acreditar em sinais do universo e superstições. Ele queria acreditar na própria motivação para levantar da cama todos os dias, que achava que o acaso era por acaso, que era a favor de acreditar nos próprios sentimentos e não em sinais que podem ou não fazer sentido em um universo cheio de perguntas.

Ele acreditava em seguir seu subconsciente, aquelas "vozes" que te empurram para perto das pessoas que você gosta. Ele escrevia músicas, tocava violão, cantava e ouvia Taylor Swift enquanto não tinha um sertanejo tocando nos fones de ouvido. Ou ouvia Charlie Brown Jr enquanto não cantava uma música antiga do Ed Sheeran.

Um garoto que amava música. Simplesmente. Qualquer tipo de música. Um garoto que queria crescer e se tornar alguém no mundo. Eu gostava de como ele tinha determinação, como ele parecia saber exatamente o que queria da própria vida, como ele era talentoso e parecia ser bom em tudo e qualquer coisa.

Ele queria se tornar um grande cineasta, um grande produtor, ir pra São Paulo e ficar rico fazendo filmes, fazendo o que ama. E o que é mais bonito do que paixão? Paixão pelo o que você faz, pelo o que sabe fazer, pelo o que escolheu fazer pelo resto da vida. O que é mais lindo do que ver uma pessoa ir atrás do que ela quer com a intensidade de uma paixão? Tive um tempo ruim na faculdade, em que fiquei me perguntando se aquilo realmente era eu, se eu tinha escolhido o curso certo mesmo. E era tão bonito ver que pra ele tudo aquilo fazia sentido.

Como fazer sentido? Eu não faço sentido, de jeito nenhum. Me sinto uma pessoa contraditória, as vezes até hipócrita, eu olho para mim e não entendo. Uma vez, ele me disse que gostava de mim porque eu parecia ser uma pessoa decidida, eu sabia o que eu queria. Ele me disse que eu era amável. Eu respondi com um "será?".

Ele também dizia que era apaixonado por se apaixonar. Uma vez me disse que o amor é muito raro e que é preciso tomar cuidado com onde colocar seus sentimentos. O garoto com covinhas nas bochechas e que, depois de tantas dúvidas, se tornou um grande amigo meu e eu queria que ele fosse ainda maior, eu o queria dentro da minha vida com a intensidade de uma paixão.

Ele era músico, assistia filmes e os criticava no letterboxd. Escrevia em inglês, porque é mais bonito, mais rítmico. Ele gostava de carros e entendia as corridas de fórmula 1. Ele torcia pro São Paulo e acompanhava alguns jogos. Ele ia em festas, mas também gostava de ficar de preguiça na cama o dia inteiro. Ele gostava de alguns dos meus filmes preferidos e odiava outros, mas me mostrou um novo filme que entrou pra minha lista de favoritos.

Ele achava que eu não o conhecia o suficiente quando comecei a escrever esse texto e sei que ele mudou de ideia agora. O garoto com covinhas nas bochechas que leu todos os meus poemas e comentou sobre cada um. O garoto com covinhas nas bochechas que quis criar uma amizade, que ficou, mesmo que não exatamente como achei que ficasse. Um garoto que não foi embora.

Será que eu te verei mais uma vez garoto com covinhas nas bochechas? Será que um dia vou escrever uma crítica de um filme que terá seu nome escrito bem grande no pôster? Ou ouvirei um álbum completo de músicas suas? Espero que sim, porque sinto que ainda temos mais histórias pra contar. Talvez. Talvez eu te veja mais uma vez quando estiver chovendo bastante e você postar uma foto com uma música bonita nos stories.

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